Semana importante para reflexão sobre intolerância. Em especial, a religiosa. O site ac24horas chama atenção não apenas para o possível crime cometido pelo vereador de Rio Branco N.Lima (Progressistas). Quem acompanha a rotina do parlamento da Capital não se surpreende com as danações deste “homem de bem”. Há outro problema tão grave quanto: o de tratar os assuntos da seara religiosa como moeda eleitoral. É este contexto, aparentemente bem intencionado, que cria um cenário fértil para desempenho de arremedos de parlamentares, semelhantes com o que o cidadão riobranquense tem sido castigado na atual legislatura.
“A maioria que vejo hoje, igrejas, todas, sem exceção, a não ser as igrejas que seguem o Satanás. Elas seguem mesmo ele. Elas defendem com maior loucura do mundo. Vão lá, fazem macumba e o diabo a quatro”. Basicamente, foi esse trecho da fala de N. Lima em que eles destila todo o preconceito que pula no peito do “homem de bem”. Mas por que ele falou isso? Qual era o debate para que o veneno deste senhor pudesse ser vomitado com tamanha fúria?
Estava em discussão um Projeto de Lei, de autoria do vereador Arnaldo Barros (Podemos), de distribuição de Bíblias em escolas sob responsabilidade do Município. Eis o ovo da serpente. Um projeto de lei como este namora com a intolerância. Só para que o leitor tenha reforçada a informação sobre a gravidade do problema, o Ministério Público do Estado do Acre, por meio do promotor de Justiça Thales Ferreira, já oficializou uma recomendação ao prefeito de Rio Branco, Tião Bocalom, para que a matéria não seja aprovada, por ser inconstitucional.
Na verdade, a própria Procuradoria da Câmara de Vereadores de Rio Branco deveria fazer valer o trabalho a que se destina e orientar o parlamentar nos seguintes termos: “Arrume o que fazer! A cidade tem problemas reais e urgentes e serem resolvidos!”.
Nessa toada de tratar assuntos da seara religiosa como moeda eleitoral, o próprio prefeito da cidade já anunciou a construção de outra monstruosidade: uma espécie de templo da Bíblia, ou alguma abominável iniciativa do tipo. São energias, tempo e recursos dispensados por agentes públicos que não guardam nenhuma relação com as urgências da cidade.
Bhagavad-Gita, Alcorão, Torá, Tripitaka (Os Três Cestos da Sabedoria), as ideias de Confúcio, das religiões de matrizes africanas ou os hinários dos Mestres Irineu Serra e Mestre Daniel. Essas são referências importantes para o mundo. Ajudam a repensar a conduta humana fundamentada em valores que ofereceriam novas formas de viver. Essas literaturas, no entanto, fazem parte de uma busca pessoal. São, em tese, terrenos áridos para a semente da Política.
Bem se sabe, no entanto, que a cena é outra. A Política se intromete nisto com muita força. E não é de hoje. O que espanta aqui no Acre é o baixo nível do debate. Repare o leitor, o nível butequeiro que o vereador defende o que fala.
Ele dizia que todas as religiões, todas as igrejas defendem a ideia prevista no projeto de lei (da Bíblia nas escolas). Só não defendem aquelas que são satanistas. “Elas seguem mesmo ele [Satanás]. Elas defendem com maior loucura do mundo. Vão lá, fazem macumba e o diabo a quatro”. Pobre Rio Branco!
Mas aos legisladores que desconhecem ou, por decisão, desrespeitam as leis, há instituições e pessoas que estão vigilantes. Com destaque para a atuação certeira do Ministério Público do Estado que instaurou uma notícia de fato e solicitou que a Polícia Civil investigasse a fala do suposto criminoso. O Conselho Municipal da Promoção da Igualdade Racial (14 entidades que o integram) também teve reação à altura, provocando as instituições públicas para que façam valer a lei e puna o suposto criminoso.
Só para que o leitor tenha noção de como são sutis as diversas formas da intolerância: esta semana que passou o Senado aprovou um Projeto de Resolução que instituiu a Frente Parlamentar Católica Apostólica Romana. Aonde isso vai terminar não se sabe direito.