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Ao olhar para o problema errado, corre-se o risco de matar a galinha dos ovos de ouro!

Outro dia, em um evento público, o prefeito Tião Bocalom disse que a floresta mantém as pessoas na miséria, que governos passados teriam deixado de apoiar os produtores rurais pelo seu ambientalismo e que a prova do “atraso” de Rio Branco e da economia acreana seria o grande número de pessoas recebendo Bolsa Família. A análise feita pelo prefeito dá a entender que a culpa, em última instância, seria da natureza virgem e do excesso de árvores em nosso território.


Ao ocupar o cargo de prefeito da capital, uma pessoa vira figura importante no debate público. Isso a torna responsável por entender as questões em um nível de profundidade para além da discussão de mesa de bar. A fala do prefeito dá a entender que esse é seu entendimento sobre a natureza de nossos problemas. E, como nos ensina a medicina, diagnóstico errado leva a tratamento mais errado ainda, quando não, perigoso.


Das muitas questões que podem ser analisadas do que disse o prefeito, destaco aqui algumas especialmente importantes: respeitar florestas e mananciais de água, proteger povos indígenas e a biodiversidade é mesmo um problema? Para melhorar a vida do povo, é preciso devastar bosques e converter todo o território em produção de monocultura agrícola e criação de gado? Quais consequências já são percebidas do que foi desmatado até aqui? E, principalmente, quais as consequências futuras para o Acre, o Brasil e o mundo se tal projeto for realizado na escala que o prefeito e seus aliados desejam?


A razão de haver pobreza em nossa região pouco ou nada tem a ver com florestas.  Tem mais relação com nossa condição de ponta de linha das cadeias de produção nacional; com a baixa integração da economia brasileira, incapaz até aqui de incorporar regiões periféricas de outra forma que não seja a violenta transformação de recursos naturais em riqueza efêmera e de curto prazo para poucos; é consequência objetiva do modelo original da economia amazônica, baseado na semi-escravidão do seringalismo; e, principalmente, tem relação direta com a incapacidade da sociedade brasileira até aqui de realizar os investimentos em ciência e tecnologia que teriam sido capazes de transformar o potencial econômico da Amazônia em biotecnologia e outras formas de economia verde, em uma realidade capaz de gerar riquezas e melhorar a vida das populações locais.


Retirar a cobertura vegetal em regime de corte raso, transformando florestas tropicais úmidas em campos abertos, é parte da mentalidade de quem sonha um dia tornar nossa região uma extensão do cerrado ou dos pampas gaúchos. Isso nada tem a ver com melhorar a vida do povo. Responde muito mais à ideologia do agronegócio, ou seja, à ideia de que avançado é produzir soja e milho e criar gado.


Diante das rápidas transformações pelas quais passa o clima no planeta, com consequências dramáticas como as que vimos há pouco no Rio Grande do Sul e, mais aqui perto, em Brasileia há poucos meses, ou mesmo, diante do que estamos vendo neste momento aqui em Rio Branco, em que o rio Acre mais uma vez mostra baixa histórica, será mesmo razoável seguir pregando que a floresta é um problema?
Não seria, em sentido contrário, parte da solução?


O mundo vive uma rápida transformação. As economias estão mudando na direção de substituir as velhas atividades de produção e hábitos de consumo herdados da Revolução Industrial por atividades e hábitos que diminuam nossa dependência do carbono. Nisso, evitar a conversão de estoques de carbono em gases poluentes é urgentíssimo. E a Amazônia, além de um oásis de biodiversidade e produtora de água para o país e a América do Sul, é uma grande estocadora de carbono. Quando se derrubam e queimam florestas, está-se acelerando o aquecimento global. A título de registro: o Brasil é o quinto maior poluidor mundial, e a Amazônia responde por 50% disso, efeito direto das mudanças na forma de uso da terra (leia-se, desmatamentos e queimadas).


O futuro caminha em sentido oposto ao que prega nosso prefeito. O debate proposto por ele, ao criticar quem defende sustentabilidade, não faz sentido. Até porque, cada vez mais, o mercado imporá restrições a produtos oriundos de áreas de desmatamento recente. Então, o debate é em sentido contrário. O desafio é trabalharmos juntos para transformar nossos vastos recursos ambientais em ativos econômicos; em aproveitar o quanto avançamos em tempos passados no manejo de florestas, e utilizar isso como diferencial de mercado. Alguns exemplos mostram que é possível. O mercado de carbono é um. O vertiginoso crescimento de um empreendimento como a Cooperacre, exclusivamente baseado em produtos de origem florestal e com forte potencial de mercado, é outro.


Mas, talvez, a solução na escala desejada e necessária acontecerá no dia em que o Brasil e o mundo reconhecerem que o Acre e a Amazônia têm o direito de ser compensados financeiramente pelos extraordinários serviços ecossistêmicos que prestam ao país, à América do Sul e ao mundo. Produzir água, guardar carbono e estocar recursos genéticos são apenas alguns deles, dos tantos outros que ainda nem mesmo fomos capazes de conhecer. Destruir a floresta seria, reconheça-se, diante dos desafios do futuro, matar a galinha dos ovos de ouro.