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O golpe civil-militar no Brasil e no Acre

Desfile Cívico; Desfile de 7 de Setembro; Museu Palácio Rio Branco; Palácio do Governo Foto: IBGE
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por Francisco Bento da Silva


A República, no Brasil, foi proclamada em 15 de novembro de 1889, uma data que, hoje em dia, temos como feriado nacional, passados mais de 130 anos. É uma data longínqua, descolada em muito das preocupações do presente vivido por nós, brasileiros, e talvez seja revisitada somente por historiadores e pela imprensa, quando ocorrem as efemérides. Mas é o nascimento, de fato, da República como forma de governo no Brasil após o fim da monarquia. Contudo, sem a ação direta dos militares do Exército brasileiro, o fim da monarquia não teria ocorrido naquele momento. Ele só ocorreu porque, na prática, houve um golpe que implantou a República no Brasil.


Desde aquele momento, os militares passaram a ter protagonismo na cena política nacional, exercendo o poder político na cadeira presidencial ou atuando nos bastidores sustentando governos civis no poder. O fim da chamada República Velha (1889/1930) também se deu por um golpe, que abreviou o mandato do presidente Washington Luís e impediu a posse de Júlio Prestes, que havia derrotado Getúlio Vargas. Mas este, com apoio dos militares, foi quem se sentou na cadeira presidencial e posteriormente, com apoio dos militares, instaura o chamado Estado Novo (1937/1945), fruto de mais um golpe militar.

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E o Estado Novo chega ao fim com outro golpe, travestido de renúncia, dado pelos militares que naquele momento se colocaram como fiadores da “democracia” brasileira ao porem fim à ditadura varguista, não por amor àquela, mas porque esta havia se exaurido internamente. Foi assim até 1964, quando chega ao fim a fase que alguns historiadores chamam de “democracia populista” e ocorre mais um golpe de caráter civil-militar que derruba o presidente João Goulart do poder e instaura uma ditadura na virada do dia 31 de março para o dia 1º de abril, que, no Brasil, é chamado popularmente de “dia da mentira”. Talvez por isso, ciosos da seriedade daquele feito chamado de imediato de “revolução”, que ainda hoje – passados 60 anos – os militares, defensores da ditadura, até mesmo historiadores e a sociedade em geral tenham consensuado a data do último dia de março de 1964 como aquela em os militares mais uma vez tomaram as rédeas da vida política nacional.


E isso teve consequências ao longo de pouco mais de vinte anos, como deposição de políticos de seus cargos para os quais haviam sido eleitos, cassações de direitos políticos, prisões arbitrárias, torturas, mortes por agentes do Estado, vigilâncias ilegais e cerceamento das liberdades de imprensa, de reunião, de partidos políticos de esquerda e votação tutelada e indireta para cargos executivos e legislativos.


No Acre, dizem que o dia do golpe em 1964, em um primeiro momento, foi tomado como uma peça (como uma brincadeira) por parte de alguns moradores de Rio Branco que haviam escutado as primeiras notícias pelas ondas das rádios Nacional e Tupi e foram divulgando aos demais. Como era o Dia da Mentira, nem todos levaram a sério o dia que durou 21 anos (alusão a um documentário sobre o golpe e a ditadura de 1964). Ainda hoje é comum muitas pessoas no Acre dizerem com autoridade que “aqui não teve nada”, ao ouvirem falar das práticas arbitrárias e ilegais que ocorreram entre 1964 e 1985 quando oficialmente chega ao fim a ditadura no Brasil com a ascensão de um presidente civil ao poder. Contudo, tivemos um governador deposto e que havia sido eleito de forma direta pela primeira vez na história do Acre após o fim do estatuto do Território Federal. José Augusto de Araújo foi deposto em 8 de maio de 1964 e em seu lugar assumiu o comandante da 4ª Companhia do Exército, capitão Edgar Cerqueira. José Augusto e sua família foram obrigados a irem embora do Acre numa espécie de exílio forçado. Outras pessoas, ligadas ao governo dele e ao PTB foram presas e tiveram os direitos políticos cassados.


Neste momento em que se completam seis décadas, o assunto golpe/revolução é um tema sensível e de disputa de leituras diversas pela sociedade brasileira. Algo que veio à tona com mais força durante a presidência de Jair Bolsonaro, notório apoiador da versão de que houve uma “revolução” e que as torturas existiram somente para quem merecia: “os inimigos da pátria”, pois são sobejamente públicas as declarações de Bolsonaro de que a ditadura no Brasil matou pouco.


O governo e as posições pessoais de Bolsonaro são abertamente favoráveis a uma pauta conservadora extremista e negadora da democracia e quase levaram a uma ruptura da ordem legal no país no início de 2023 quando se deu o último ato – felizmente fracassado – de tentativas de golpeamento das instituições e da constituição com apoio de parcela da sociedade civil, partidos políticos, mídias sociais, parte da imprensa e dos militares.


Isso nos mostra que no Brasil nós não temos uma democracia consolidada e inabalável – talvez nem em outros contextos globais – e que a existência dela só é possível com vigilância e defesa de valores em que prevaleçam a aceitação das diferenças étnicas, religiosas, políticas e ideológicas dentro das regras vigentes e consensos pactuados.


*Francisco Bento da Silva é historiador e professor do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Acre.


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