No domingo passado o Fantástico apresentou uma reportagem enchendo a bola da polícia do Piauí que está conseguindo combater, com sucesso, os furtos e roubos de smartphones.
Uma estimativa recente divulgada pela indústria de eletrônicos indica que um quarto dos aparelhos em uso no Brasil são de origem ilegal. Grande parte disso vem da receptação de equipamentos roubados.
Ter um celular, hoje em dia, não é um luxo, mas uma necessidade. Deixou, faz tempo, de ser um simples aparelho de comunicação que a gente podia trocar pelo orelhão da esquina. Por ele recebemos informação, controlamos processos, interagimos com empresas de serviços, fazemos compras e vendas, administramos as finanças, documentamos o dia a dia.
No meu há mais de duas centenas de aplicativos, desde uma simples calculadora, despertador e câmera fotográfica até os do plano de saúde, dos programas de fidelidade (empresas aéreas, hotéis, cartão de crédito), os que controlam a conta bancária, o sistema de câmeras de segurança, o das placas de geração de energia solar e até o de uma pequena estação meteorológica que coloquei no telhado de casa. Fora uma série de outros que uso no trabalho para leitura de chips e documentos de segurança, escâner de unidades controladoras de veículos, gravação de ligações, edição de vídeos, GPS, drone, mapeamento, etc.
Meu dia a dia depende desse aparelhinho para quase tudo. Inclusive, para escrever este texto estou usando o editor que vem nele e que até me alerta para os erros de concordância e ortografia mais graves.
Guardadas as devidas proporções (reconheço meus exageros), cada pessoa tem hoje seu grau de dependência com um celular e, tanto quanto o ônus financeiro, perder um gera sempre um imenso trabalho e é um enorme desgaste emocional.
O que a polícia do Piauí está conseguindo é nada mais do que muitos profissionais da informática e das telecomunicações dizem faz muito tempo que era possível e não demandava grandes investimentos tecnológicos, já que os telefones são rastreáveis com certa facilidade.
Foram duas as grandes sacadas dos piauienses que agora estão lhes rendendo os frutos: a primeira, que parece óbvia, mas de certa forma exige um grande esforço de relacionamento entre polícia, ministério público e juízes, foi tratar as ocorrências como um único caso e sistematizar isso. A segunda foi olhar para o problema sob a ótica da vítima, que quer o retorno do bem, e não sob a perspectiva da persecução penal, que mira na identificação e na punição do autor.
Ou seja: o trabalho da polícia é prender o ladrão e não recuperar o celular roubado, como ouvi certa vez de um policial civil que tentava justificar o descrédito das pessoas que nem mais se dão ao trabalho de registrar grande parte das ocorrências.
O certo é que muito da sensação de insegurança das pessoas, principalmente das mais humildes, tem a ver com pequenos delitos que as expõem diariamente a situações de perigo, danos e perdas e que lhes parecem serem ignorados pelos serviços de segurança pública.
Por isso o trabalho da PC do Piauí é tão importante e precisa servir de modelo aos demais Estados. Ter o celular de volta é o principal motivo que leva alguém a registrar o B.O. De quebra, ainda se ganha mostrando que não vale a pena comprar um aparelho sem saber da procedência e desarticula toda uma rede criminosa de receptação e comercialização.
Oxalá essa mudança de paradigma se expanda em breve para outros crimes, principalmente as fraudes cibernéticas que se tornaram a moda do momento.
Roberto Feres é Engenheiro Civil e Perito Criminal da Polícia Federal.