A vacina do Instituto Butantan contra a dengue está próxima de alcançar um marco importante em seu desenvolvimento: há expectativa que os dados que atestam sua eficácia sejam enviados para aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) neste ano e que a aplicação das primeiras doses ocorra ainda em 2025.
O acesso a uma nova vacina contra a doença ganha ainda mais importância no ano em que o aquecimento global e o El Niño contribuem para um novo surto da doença no país.
E além disso, o novo imunizante pode ampliar o atendimento da população, que terá neste ano poucas doses da vacina produzida pelo laboratório japonês Takeda.
Estudo em conclusão
Segundo o infectologista Esper Kallás, diretor do Butantan e primeiro autor do estudo que confirmou o rigor e a qualidade do trabalho realizado por pesquisadores de 16 centros brasileiros, o instituto está prestes a concluir os cinco anos de acompanhamento dos voluntários, e uma vez que esses dados estejam consolidados, será possível determinar a longevidade da proteção induzida pela vacina.
“Se tudo correr bem, devemos conseguir a aprovação definitiva em 2025. Já temos infraestrutura para produzir o imunizante no Butantan, embora ela ainda possa ser aprimorada, afinal, são quatro vacinas em uma”, disse à Agência Fapesp.
Kallás também mencionou que o grupo tem a expectativa de apresentar um relatório à Anvisa no segundo semestre deste ano, visando obter o registro do imunizante.
Na quarta (31), o governador do estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), deu até um prazo para conclusão dos trabalhos de desenvolvimento da vacina: o mês de setembro de 2024.
“E a gente está tentando antecipar esse cronograma. Vamos apresentar à Anvisa de maneira que no ano que vem a gente possa fabricar e fornecer”, anunciou o governador em entrevista à rádio CBN.
Segundo confirmou o artigo da “New England”, a vacina contra a dengue do Butantan tem eficácia de 79,6%, bastante semelhante à Qdenga, com 80,2%.
A sua aplicação, porém, tem um diferencial bastante importante: será em dose única, o que traz várias vantagens.
Ela oferece, por exemplo, proteção rápida, sendo útil para viajantes e em casos de surtos, como o que estamos vivenciando agora. Além disso, uma única dose evita a necessidade de doses adicionais, simplificando a logística e aumentando a adesão à vacinação.
Até o momento, porém, os pesquisadores não sabem se quem tomou a vacina da Takeda poderá receber a do Butantan depois.
“A gente precisa gerar mais informações e é possível que a gente tenha que fazer um estudo algum dia sobre combinações de vacina”, disse Kallás ao Jornal Nacional.
O caminho da produção
Atualmente, na produção da vacina, os vírus atenuados são cultivados em células derivadas de uma espécie de macaco. Depois, o material é purificado, formulado e liofilizado (transformando-o em pó). Um diluente então é preparado para ser adicionado ao pó durante a aplicação da vacina, uma tecnologia criada pelos pesquisadores do Butantan que facilita a distribuição do imunizante.
Mas isso só foi possível a partir de 2009, quando o instituto adquiriu a fórmula da vacina do Instituto Nacional de Saúde Americano (NIH), que vinha desenvolvendo testes iniciais.
Isso permitiu a produção e distribuição da vacina no Brasil, já que o NIH cedeu as patentes e os materiais biológicos das quatro cepas virais (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4).
Já em 2018, o Butantan fechou um acordo com a farmacêutica MSD para compartilhar dados e acelerar os estudos e o registro do produto.
Os ensaios clínicos da vacina por sua vez ocorreram em duas fases: a primeira nos Estados Unidos (entre 2010-2012) e a segunda no Brasil (entre 2013-2015). Esses estudos mostraram que a vacina é segura e induz a produção de anticorpos contra os quatro sorotipos do vírus, o que justificou a continuidade das pesquisas.
Segundo o Butantan, na fase 1 do ensaio clínico:
- foi constatada uma taxa de 100% de geração de anticorpos em pessoas que já tiveram dengue
- e outra taxa de 90% de geração de anticorpos em indivíduos que nunca haviam tido contato com o vírus
Já fase 2 do ensaio, os voluntários receberam duas doses e foram constatadas:
- 100% de taxa de soroconversão, ou seja, o início do desenvolvimento de anticorpos específicos, após a primeira dose em pessoas que já tiveram dengue
- 92,6% de taxa de soroconversão em indivíduos que nunca foram infectados
e, além disso, 80% dos voluntários produziram anticorpos contra os quatro sorotipos.
Por fim, agora na fase 3 do ensaio clínico (que ainda está sendo realizada), os dados mais recentes publicados mostraram:
- 79,6% de eficácia geral
- 89,2% de eficácia naqueles que já tinham contraído dengue
- 73,6% de eficácia em quem nunca teve contato com o vírus
Fora isso, a Butantan-DV, como é chamada tecnicamente a vacina, também se mostrou altamente eficaz na redução do risco de contrair dengue sintomática causada pelos sorotipos 1 e 2 da doença.
O imunizante desenvolvido pelo Butantan é projetado para proteger contra os quatro tipos diferentes do vírus da doença. Durante o estudo, porém, somente os tipos 1 e 2 estavam em circulação no país. E a eficácia observada para prevenir a infecção por esses vírus foi de 89,5% e 69,6%, respectivamente.
Quem poderá tomar?
O imunizante, que também é tetravalente, deve proteger pessoas com e sem contato prévio com o vírus, como a Qdenga.
Essa sua imunogenicidade, ou seja, a capacidade da vacina de gerar uma resposta imune, foi analisada durante um ano por meio de testes de neutralização do vírus e se manteve alta em todos os participantes.
A vacina está sendo produzida com os quatro tipos do vírus da dengue atenuados, ou seja, enfraquecidos. A expectativa é que uma dose seja suficiente, já que, segundo os estudos, a dose adicional não induziu diferenças significativas.
Fonte: G1