Enquanto entre um painel e outro, mais de mil e trocentos membros da comitiva federal brasileira olhavam para cima, admirando os lindos edifícios de Dubai, todos construídos com verbas do nada renovável petróleo, no Senado Federal foi apresentado nesta terça-feira (05/12), pelo senador Márcio Bittar, o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as Organizações Não-Governamentais – ONGs na Amazônia. A CPI fez, na medida do possível, uma espécie de vasculhamento nas relações entre Governo, ONGs e população alvo, notadamente, indígenas e os “povos da floresta”, como são chamados seringueiros, castanheiros, ribeirinhos, pescadores, etc., etc., etc. que sobrevivem na região.
O ótimo relatório, com mais de 270 páginas, resultado de dezenas de viagens, audiências e depoimentos, parte de uma realidade chocante apresentada logo no início em uma frase: “O Brasil não tem soberania sobre 60% do seu território”. Espantoso para muitos brasileiros, mas não para quem vivendo por cá e, conhecendo a realidade, sofre as consequências do atraso proposital a que fomos relegados. É preciso, então, verificar a profundidade e a forma como se dá esse processo de fragilização da soberania brasileira sobre seu território.
A CPI proposta pelo senador amazonense Plínio Valério, que a presidiu, foi formalmente instalada em junho de 2023 com o objetivo central de “investigar, no prazo de 130 dias, a liberação, pelo Governo Federal, de recursos públicos para ONGs, e OSCIPs, bem como a utilização, por essas entidades, desses recursos e de outros por elas recebidos do exterior”, ou seja, teve como alvo esclarecer de que modo o financiamento e a ação concreta de ONG’s servem àquela perda de soberania e eventuais desvios de finalidades na sua aplicação.
O texto integral do Relatório apresentado pelo senador Marcio Bittar está disponível AQUI. Recomendo a todos a leitura minuciosa do seu inteiro teor para que tenham uma visão apurada de como se dá, sob nossas fuças e às nossas custas, o processo de desarraigamento da Amazônia de nossa nacionalidade, tendo as ONGs como intermediárias funcionais enquanto geram dependência e pobreza para a região e enriquecimento, projeção política e prestigio para o exército ongueiro em promiscuidade com agentes do próprio Estado.
Na impossibilidade de fazer neste espaço uma análise detalhada do extenso Relatório, chamo a atenção para o item 3.3 – As Organizações Não-Governamentais na Amazônia (páginas 93 – 120) e o item 6 – Irregularidades e deficiências encontradas pela CPI (páginas 192 – 210), nos quais o relator esclarece com muita objetividade, a natureza, o modus operandi e os (não)resultados de todo este esquema malévolo que há décadas se alimenta de sucessivas falácias e acumpliciamentos, sugando recursos e mantendo a miséria regional à medida que distribui cadeados ambientais de toda espécie e, ao mesmo tempo, opera e/ou monitora ações nas comunidades onde deveriam (prometem) atuar gerando reais alternativas de renda e bem-estar.
Trocando em miúdos, trata-se do seguinte: Com o manso discurso de atuar “onde o Estado não atua”, as ONGs obtiveram uma espécie de passaporte para adentrar a Amazônia, inclusive onde um brasileiro comum não pode, se dispondo a executar projetos que, mantendo a floresta em pé (palavrinha mágica), oferecessem aos seus habitantes apoio direto em áreas como saúde, por exemplo, ou indireto, como alternativas econômicas. Da assistência à saúde ao monitoramento de reservas minerais, ou, como dizem por aí, do alfinete ao foguete tudo é possível, sempre haverá uma ONG pronta para “ajudar”, afinal, o que seria do mundo se não existissem essas “boas almas”, não é mesmo?
Para bancar sua ação farsesca, as ONGs drenaram e continuam drenando recursos que ultrapassam a casa dos nove zeros, dinheiro dos tesouros municipais, estaduais e federais na forma de convênios ou contratos sem reembolso (né, BNDES?), ou de doações ou financiamentos de outros países em fundos específicos. De acordo com o relatório, para engraxar o mecanismo, as estruturas do governo, conselhos etc., foram tomadas por seus agentes. Em simplificação máxima: “eu identifico a necessidade, eu elaboro o projeto, eu arranjo o financiamento, eu aprovo, eu executo, eu pago, eu recebo e eu fiscalizo”. Que tal?
Ocorre que, sendo uma prática de décadas, com inflação no governo de Fernando Henrique Cardoso e manutenção em alta daí em diante, chega a hora de alguém perguntar: Onde estão os resultados? Aí, lascou. Não há resultados que possam ser apontados e comprovados em termos de melhoria da qualidade de vida ou, muitas vezes, sequer do atingimento das populações tidas como beneficiárias dos bilhões investidos. No período recente, tomada como proxy da Amazônia, a região Norte ultrapassou o Nordeste em índices de pobreza e foi, como as comunidades do Rio de Janeiro, infestada pelo narcotráfico e facções criminosas. Os recursos foram e são na maior parte consumidos em consultorias, salários, viagens, seminários, cartilhas, panfletos, etc., etc., etc.
Talvez a mais dura interpretação constante do relatório seja a do ex-Ministro Aldo Rebelo, ao identificar a presença de três Estados paralelos na Região: O Brasileiro formal, o do narcotráfico e o das ONGs. De acordo com Rebelo, o primeiro, composto pelas três esferas (federal, estadual e municipal) é anêmico e débil, ao que eu somaria negligente e entreguista. O segundo Estado seria o pertencente ao crime organizado e ao narcotráfico, que expande seus tentáculos dominando rios, acessos e comunidades. Entendo que neste sentido está-se criando um tipo peculiar de agente – o narcoambientalista, aquele que para exercer a sua atividade criminosa, especialmente na fronteira, precisa da floresta vazia e faz com que assim permaneça. Ainda por Aldo Rebelo, o terceiro Estado, “mais importante e dominador (…) é o estado paralelo das ONGs, que governa a Amazônia de fato, com o auxílio do Estado formal brasileiro, do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, do Ibama, da Funai…”. É deste que trata a CPI.
Há de se observar ainda, em tudo isso, que a prestação de contas da montanha de dinheiro que flui para os bolsos não-governamentais é uma barafunda, ao ponto de o senador Marcio Bittar afirmar no relatório: “É imprescindível que o Congresso Nacional imponha real transparência à atuação dessas entidades, para que a sociedade brasileira tenha condições de julgar a sua regularidade”, indicando, obviamente, a incapacidade nos termos atuais de se saber a real destinação dos recursos e sua serventia ao interesse público.
Em suas Conclusões (páginas 210 – 217), o relatório é firme em apontar que o amazônida vive miseravelmente sobre um território fantasticamente rico, detido em um emaranhado de regulações e na ação de trancamento lograda pelas ONGs em conluio com instituições do próprio governo, constituindo no dizer do relator, um “encabrestamento” da região. Neste sentido, as ONGs não apenas se locupletam com os recursos “endereçados à Amazônia”, mas são, elas próprias, os cabrestos cujas alças se encontram em mãos internacionais.
Como todo relatório que se preze, este da CPI das ONGs responde objetivamente à pergunta crucial que ele mesmo se faz – como mudar este panorama? Em seis pontos observados e seis propostas legislativas, a Comissão aponta alterações que no seu entendimento são necessárias para o Estado brasileiro adquirir maior governança sobre a região e maior controle sobre os agentes que atuam em seu nome, ou em relação próxima. As propostas vão de estabelecer maior transparência e responsabilização na prestação de contas das Oscips e impedimento e estabelecimento de quarentena para servidores públicos participarem em órgãos de direção e fiscalização dessas entidades, à criação de uma Comissão Permanente da Amazônia no âmbito do Senado Federal. Por fim, também pede o indiciamento do Presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, por supostos crimes de corrupção passiva e improbidade administrativa. Que a CPI não tenha sido em vão.
Ah! ia esquecendo. Dubai entrou no título deste artigo só para lembrar que o Brasil levou aos Emirados Árabes Unidos a maior delegação da COP (1.377 pessoas), sendo quase o dobro da segunda (Índia) e quase oito vezes a delegação americana. Salas e corredores estavam apinhados de brasileiros discutindo uma cartilha do que fazer na Amazônia, se quisermos continuar recebendo alguns caraminguás para distribuir com as ONGs, juntamente com alguns cadeados para trancar investimentos e evitar que o mundo tenha fim por nossa causa (a China emite 20 vezes mais CO² que o Brasil). Não, dos 70% de lares amazônicos sem esgotamento sanitário não se falou, dos 40% sem água tratada, da violência e da falta de oportunidades de trabalho também não. Fica para a 29ª, em Belém-PA, com sua população em níveis de 40% abaixo da linha de pobreza.
Valterlucio Bessa Campelo escreve às sextas-feiras no site ac24horas e, eventualmente, no seu BLOG, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor Percival Puggina e outros sites. Quem desejar adquirir seu livro “Desaforos e Desaforismos (politicamente incorretos)” pode fazê-lo por este LINK.