A marca de tênis, Veja, ou Vert, no Brasil, na crista do hype, tornou-se um projeto bem-sucedido na seara sustentável da moda. A média dos modelos Vert/Veja, no Brasil, subiu neste ano para R$ 600, e, no exterior, sob o nome Veja, mantém-se em € 150 para os mais simples, como o V-10. O novo Fitz Roy, desenvolvido para trilhas e com tecnologia que repele água, é o topo de linha, saindo a € 215 na Europa e R$ 1.200 no Brasil. É o que diz a reportagem: “Como funciona a linha de produção 100% brasileira de um dos tênis mais cobiçados do mundo” escrito pelo Reporter Pedro Diniz — Para o Valor Econômico, do dia 14/07/202:
Conforme a reportagem, a empresa surgiu em 2003, após vários destinos pesquisados. Na última parada dessas viagens, que duraram mais de um ano, a dupla proprietária chegou ao Brasil, conheceu na prática o termo “fair trade” (comércio justo) por meio do projeto de um supermercado francês que pagava mais pelo palmito pupunha importado de Rondônia, comprando-o diretamente de uma cooperativa de agricultores, e viram naquele formato de negócio o próprio futuro. Ligaram para fornecedores do Brasil, o país que haviam acabado de conhecer que já sabiam ser o lugar onde fincaria um dos pés. A cadeia dos tênis Veja é, até hoje,100% brasileira, do couro a borracha, do algodão agroecológico colhido no Nordeste ao laboratório de desenvolvimento instalado em Campo Bom (RS). “Apenas” o administrativo e o estúdio de criação, ficam em Paris, em nova sede instalada num antigo prédio.
Segundo Pedro Diniz, os seringueiros de Xapuri foram visitados, através da Cooperativa Agroextrativista de Xapuri (Cooperxapuri), para a incorporação da borracha do Acre, que está desde o início no “sourcing” (abastecimento) da empresa e cujas mãos de quase mil famílias extraem o leite das seringueiras transformado em solas. Ao todo, essa cadeia hoje sozinha compreende quase 2 mil, espalhadas em outros quatro estados do bioma amazônico.
De partida, foram produzidos 4 mil pares naquele ano de 2003, e, no ano passado, o número ganhou alguns zeros. Os 4 milhões vendidos renderam R$ 974 milhões à Veja, que estima fechar o caixa deste ano com R$ 1 bilhão e 353 milhões de faturamento, dos quais 88% ficarão na empresa para cobrir custos e investimentos, enquanto o restante será dividido igualmente entre os dois sócios, cada um com metade da marca.
Conforme a reportagem do Valor Econômico, o Presidente da Cooperxapuri Tião Aquino, explica que a marca já fechou neste ano um contrato para até 2026 comprar toda a produção das famílias. Tião afirma que, no ano passado foi de recorde da produção local do leite extraído das seringueiras, totalizando média de 440 kg por família da região – algumas produziram mais de uma tonelada – vendidos a R$ 18,50 cada um. Assim é a cadeira de valor para o preço do quilo da borracha:
O jornal reporta que Tião Aquino da Cooperxapuri reforça que “é esse tipo de acordo que dá garantia ao produtor para ele abrir mais estradas”, explica, citando as rotas estreitas no meio da floresta que os homens e, agora, algumas mulheres revelam com seus facões para chegar às árvores, abrindo as antigas estradas de seringas nativas. “Houve um descrédito por parte dos seringueiros no passado, porque uma empresa de preservativos (NATEX) chegou a cancelar todos os pedidos de repente. Desde a entrada da Veja, temos trabalhado para trazer de volta mais famílias”, diz.
Ainda conforme a reportagem que A repercussão da política é um dos atrativos que vem colocando dentro das florestas jovens da nova geração é a possibilidade de ganhar mais de um salário-mínimo por mês de trabalho, se for bem executado, que é algo difícil de encontrar nos centros urbanos do entorno. Além da borracha, a produção de castanhas e, em parte, a pecuária integram o dia a dia da comunidade.
Como é o exemplo de Isaías Pinto, 27, que acompanhou o trabalho do pai desde os oito anos na reserva Chico Mendes e, no ano passado, voltou à extração porque a “renda está bem melhor”. “Se estivesse na cidade, ganharia bem menos. Neste ano vou fazer mais de 300 quilos sozinho”, comemora.
Lembro-me quando da elaboração da minha dissertação de mestrado junto ao Cedeplar da UFMG, em 1995, entrevistei o economista, recém-formado pela UFAC, Ronald Polanco, hoje Conselheiro do nosso TCE. Polanco tinha recebido a missão de dirigir a Cooperativa Agroextrativista de Xapuri – CAEX, que representou, conforme detectado pelo meu estudo, uma verdadeira revolução nas práticas sociais, políticas e econômicas nas reservas e em projetos de assentamentos extrativistas. A quebra do secular sistema de aviamento, a implementação de vários programas de incentivo à produção, ao beneficiamento e à comercialização dos produtos, como também as diversas lutas no campo político, contribuíram não só para a melhoria da qualidade de vida, como também para o exercício de cidadania dos seringueiros.
No dia 26/4/2023, nesse mesmo espaço, denunciamos que, conforme uma reportagem do Imazon, que o ícone do ativismo pelo uso sustentável da floresta, a Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes foi a área protegida mais pressionada pelo desmatamento na Amazônia no terceiro trimestre, entre julho e setembro de 2022. Fiquei triste e desolado.
Somos sabedores que o potencial econômico da floresta é grande. As Reservas Extrativistas são detentoras de uma vasta biodiversidade. Como espaço organizado econômica e socialmente, elas podem se traduzir num centro de estudos na área da bioeconomia, por meio da junção de organismos públicos e privados. Não pagando somente o preço da commodity, mas acrescendo outros custos justos, como a qualidade, os serviços ambientais e os cuidados com o produtor em defender a floresta. Exemplos como a da Empresa Veja vem nesse sentido, e precisam ser replicadas na Amazônia! Que venham outras, o Acre precisa, o mundo precisa.
Orlando Sabino escreve às quintas-feiras no ac24horas