No último fim de semana, mais duas mulheres foram assassinadas no Acre. Episódios que reforçam as estatísticas de um lugar que insiste em desprezar as discussões sobre exclusão por gênero e violência de gênero. É um problema de natureza complexa: vai muito além das questões de classe social.
Subjugar a mulher; menosprezar a mulher; não respeitar a mulher; excluir a mulher são atitudes que desfilam por todas as classes sociais aqui no Acre: médicos, advogados, comerciantes, empresários, jornalistas, vendedores de quibe, balconistas. Nenhuma classe escapa. O Acre não está entre os piores lugares para uma mulher viver no país à toa.
O argumento mais comum que se ouve é que “as mulheres têm direitos demais”. Outra ideia constantemente dita por quem diminui o debate sobre violência de gênero é que “o que uma mulher fala é lei! E o cabra que se lasque para provar que é inocente…!”
Quem adota essa retórica reforça as estatísticas. Com 2,5 feminicídios para cada grupo de 100 mil habitantes, o Acre é o quarto do país com maior taxa. Até o ano passado, liderava o ranking com taxa de 2,7. Não é a melhora de apenas dois décimos que responde pela perda da liderança nesse ranking macabro. Foram os estados do Mato Grosso do Sul (3,5), Rondônia (3,1) e Mato Grosso (2,7) que pioraram.
O homem que minimiza os problemas relacionados à violência de gênero contribui para esse cenário exposto no Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Piadas como “para beijar uma mulher, agora, é mais seguro pedir autorização da Justiça” reforçam um estereótipo injusto com quem apenas busca o direito de viver e ser respeitada. Simplesmente isso.
Outro problema que precisa ser equacionado urgentemente é o desempenho do Tribunal de Justiça do Acre. Para quem já recebeu selo ouro de excelência, figurar como o mais improdutivo no informativo “Justiça em Números” não ajuda em nada a amparar mulheres que estão à beira da morte.
Para uma mulher ameaçada de ser morta, que esperanças podem ser alimentadas quando há 9,3 mil processos pendentes no Tribunal de Justiça? Processos estes específicos de violência contra as mulheres, bem entendido. Conforme o Núcleo de Gestão Estratégica do TJ do Acre, desses 9,3 mil processos, 57 são de feminicídios (19 na Capital e 11 em Cruzeiro do Sul).
Vulnerável, sem dinheiro, sem esperanças, a mulher acreana se vê desamparada. A Justiça que poderia lhe ajudar não lhe estende a mão. A noção mais próxima de alguma segurança, para muitas mulheres, está no líder de facção mais próximo do seu portão. Em alguns casos, é a ele que muitas recorrem. O desespero prejudica o cálculo de que, agindo assim, ela sai da ameaça de um algoz e cai em outra.
O poder público se mostra incapaz de reagir com a rapidez necessária. Uma lerdeza que gera mais violência. Recentemente, o Governo do Estado ativou a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher para serviços 24 horas por dia. Isso foi compreendido como um avanço.
Mas o ac24horas lembra que, antes de ser entendido como um avanço, isso precisa ser percebido como uma ação que expõe a falta de continuidade do trabalho do próprio Estado. Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher já está na agenda pública desde a gestão de Jorge Viana e o problema só se agrava ano a ano.
O problema da violência de gênero não se resolve apenas com delegacias especializadas. É um instrumento importante, sem dúvidas. Mas não resolve o problema se for apresentado à comunidade de forma isolada. Justiça, Governo, Ministério Público e organizações da sociedade civil precisam se debruçar sobre um pacto que aborde o problema com a complexidade que ele tem.
Ou se faz isso, com seriedade e planejamento, ou o Acre continuará com homens carregando Bíblias para cima e para baixo em cultos e missas, recitando versículos; continuará com homens em pagodes e festejos de todos os ritmos; continuará com homens que se embebedam ou não, mas todos com uma certeza: o poder de mando é deles. E não há ninguém que os cale ou que os faça parar.