206 casos de violação foram apurados pelo Conselho Tutelar. 41% estão ligadas à violência psicológica e física. O ac24horas ouviu especialistas que analisam os efeitos da Lei que agitou Brasília. Até onde essa lei invade a privacidade?
O debate polêmico que começou no Congresso Nacional ganhou as ruas. A historiadora Raifana de Lara, mãe de uma filha de dois anos, é contra a disciplina. “Quando minha mãe me batia eu me sentia muito mal. Eu pensava que ela que era para me proteger, me abraçar, fazia isso. Eu ficava muito triste porque ela resolvia tudo na porrada”!
Maria Rodrigues, avó de quatro netinhos, disse que “uma palmadinha dada quando o diálogo não resolve é o único caminho para a disciplina e a imposição de controle”. Mas até que ponto uma palmada pode ser considerada violência? Que tipo de agressão será considerada castigo físico?
De acordo com o texto aprovado na Câmara, “menores de 18 anos têm o direito de serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante”. A lei define como castigo físico: “A ação de natureza disciplinar com uso da força física que resulte em sofrimento físico ou lesão à criança ou ao adolescente”.
A psicóloga Kariny Costa acredita que as novas leis disciplinam uma quebra de paradigmas onde a sociedade começa a olhar para a criança e o adolescente como sujeitos de direito que em sendo cidadãos em situação peculiar de desenvolvimento, necessitam de cuidados diferenciados, mas alerta para uma situação que vem gerando resistência.
“Fica todo mundo naquele medo de que não vou mais educar meu filho assim ou assado. Porque no final das contas foi assim que a gente foi educada. Com os nossos filhos a gente acaba por repetir padrões vivemos quando éramos criança e adolescente”, comenta.
Ela afirma que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nunca proibiu a educação, proibi castigos que causem sofrimento, humilhação e traumas, nuances não compreendidos pela camada mais leiga onde a violência descampa. Kariny também chama a atenção para os pais que acreditam que a nova legislação é uma invasão de privacidade.
“Repetimos padrões que vivemos quando erámos crianças. Tem até hoje má interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente, as pessoas acham que ele veio para proteger criança e adolescente bandido”.
Somente no 1º CT, em Rio Branco, 206 casos de violação foram registrados desde 2012 até maio deste ano. Ocorrências que vão desde a restrição ao direito de ir e vir até a violência sexual e exploração sexual comercial. Com relação aos casos alertados na Lei da Palmada, 41% das denúncias que chegam ao CT são de violência psicológica (21,26%) ou física (20,29%).
A especialista em comportamento do ser humano afirma que a Lei Menino Bernardo embora seja bem vida, para que funcione, precisa de ações educativas em grande escala, sob pena de se tornar mais uma lei no país.
“Assim como o ECA que é uma lei de vanguarda, é preciso um aparelho estatal de suporte e a gente sabe que muitas vezes isso não acontece. O ECA preconiza a organização de rede. Ou se faz esse tipo de trabalho com a comunidade de maneira geral ou se torna utópico”, criticou.
A VIOLÊNCIA FAMILIAR NA PERIFERIA – Tanto no CT de Rio Branco como nos juizados, a violência contra a criança e ao adolescente está na periferia. Famílias desestruturadas, de casais separados, de convivência com padrastos e madrastas, na maioria com usuários de drogas ou alcoolismo. A negligência, violência psicológica e física acumulam os processos nas varas.
A falta de autoridade e de controle sobre os filhos é um dos maiores problemas apontados por Kariny para o aumento da violência na família. Ela chama a atenção para a quebra da relação de hierarquia e o estabelecimento perigoso de uma relação igualitária.
“Pai e mãe estão em um patamar e filhos em outro. Não dá pra ser tudo igual que vira essa confusão. Todo mundo no mesmo plano não se consegue impor limites. Em linha geral, os pais tem que se colocar nesse patamar de autoridade, direcionando e orientado os filhos com relação à regra, limites e impedimentos”, aconselha.
Ainda de acordo a psicóloga, o diálogo é fundamental. Ela assegura que as crianças e os adolescentes ao contrário do que os pais imaginam “não são burros”. Defende um espaço para o diálogo, onde se fala e se ouve em uma relação de respeito. “A palavra final é dos pais que são autoridades da casa, que tem maturidade. É preciso ter alguém que guie a vida dos menores. Longe de ditadura, isso é garantido em lei”, concluiu.
PAIS CONFESSAM USO DE CASTIGO – Segundo o conselheiro Randerson Braña, alguns pais confessaram durante atendimentos que usaram da força para corrigir os erros dos filhos. Para ele, isso é uma alerta na interpretação da lei.
“Uma palmada não lesa, uma palavra lesa mais, nesse caso. Se você chama a criança de peste, isso causa um trauma, um desgosto,” observa o Conselheiro.
O Conselheiro defende um amplo debate com a sociedade principalmente na estrutura familiar. Em procedimentos em que fica constatada a violência, o CT leva o caso ao Ministério Público. Segundo Randerson, já houve casos em que os pais perderam a guarda dos filhos.
“Advertimos, orientamos, agimos de forma pedagógica, mas quando há violência comprovada, em último caso encaminhamos para o Ministério Público. Crianças vitimas de maus tratos já foram adotadas por outras famílias em Rio Branco,” assegura Randerson.