No final dos anos 60 e início dos 70, o extrativismo vegetal vai sofrer um duro golpe. Responsável pela sobrevivência da maioria da população do Acre e da Amazônia, a atividade extrativa não fazia parte das políticas que moviam os interesses do governo militar que tomou o poder em 1964.
O governo militar tinha como seu objetivo a modernização da economia, sem qualquer pretensão de reformas que reduzissem os desníveis sociais ou regionais. Para a Amazônia, em l966, o governo criou o que se denominou “Operação Amazônia”, cujos principais objetivos eram: estabelecer “pólos de desenvolvimento” e grupos de populações estáveis e autossuficientes (especialmente nas áreas de fronteiras); estimular a imigração; proporcionar incentivos ao capital privado; desenvolver a infraestrutura e pesquisar o potencial de recursos naturais.
No campo institucional, foram várias as realizações que impactaram a região, tais como a criação da SUDAM, em substituição à SPVEA; a criação do BASA, em substituição ao Banco de Crédito da Amazônia; e a criação da SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus.
Entre outras, a diversificação das atividades produtivas; o desenvolvimento do sistema de crédito, público e privado; o agravamento da luta pela terra, envolvendo vários agentes e a reformulação do significado da geopolítica da região amazônica, tanto no que diz respeito aos problemas de “defesa nacional”, como no que se refere aos problemas da “segurança interna”.
Embora importante no processo, o Estado não pode ser visto como a causa central das várias transformações ocorridas na região. Movimentos de capitais que ocorrem no período, no âmbito do capitalismo nacional e internacional, também vão marcar a penetração capitalista na Amazônia. Numa análise da situação da economia brasileira nesse período, a economista Maria da Conceição Tavares vai enfatizar que as políticas de cunho fiscal/financeiro adotadas pelo governo federal vão ensejar uma retomada do crescimento urbano, aumentando a taxa de emprego, atingindo-se um maior potencial de acumulação via relação lucro/salário (que sofrera uma redução no período 64/68). Esse “excesso de capital” pode explicar a migração de um determinado montante para a Amazônia, utilizado na compra de terras para a implantação da pecuária ou simplesmente para a especulação, devido à necessidade de sua realização.
O que se verifica no período é uma corrida veloz ao território amazônico. A penetração do capital, dentre outras ações, destrói antigas e recria novas relações sociais de produção, agride de maneira jamais vista o meio ambiente e expropria de suas antigas posses e propriedades as populações locais. Cardoso & Muller vão afirmar que, a partir dos anos setenta deste século, a Amazônia vai passar pelo último devassamento impulsionado pela expansão capitalista, no sentido da penetração territorial, de propriedade das terras, minas e florestas.
Apesar de o Acre estar inserido nos contextos econômico, social e político que engendraram a expansão do capitalismo na Amazônia, podem-se distinguir algumas peculiaridades que o diferenciam do restante da região. Dentre estas, estão as transações com terras, ao contrário dos outros estados, onde prevaleceram investimentos produtivos via incentivos fiscais.
Diversas são as teses que tentam explicar a expansão capitalista no Acre. Ao nosso ver, o “excesso de capital” existente na economia brasileira na época, aliado às causas citadas pelo Professor da UFAC Adalberto Ferreira da Silva, tais como o baixo preço relativo da terra, ocasionado pela decadência do seringal nativo, a especulação fundiária e o crédito fácil, barato e abundante e as facilidades criadas pelo governo estadual, francamente favorável à expansão da pecuária e, por conseguinte, incentivando abertamente a vinda de compradores de terras do Centro-Sul, são as causas da expansão.
Além da transação com terras para a especulação fundiária, o capital produtivo que chega ao Acre tem o objetivo precípuo de instalar uma pecuária extensiva. O Também professor da UFAC José Porfiro da Silva diz que entre o período de 1970-88, o rebanho bovino do Acre (o rebanho bovino do Acre em 1988 era de 386.995 cabeças), cresceu praticamente igual ao percentual do rebanho nacional, acusando 416% contra 440% do nacional.
Outra característica do Acre, foi que aqui, ao contrário do que ocorreu com as demais regiões da Amazônia, não se verificou uma migração em massa de pessoas oriundas de outras regiões do país para o Acre. O principal movimento de entrada no Estado foi de capitais. O movimento de população no estado ocorreu no sentido campo-cidade (ou seringal-cidade). O professor Adalberto diz que diz que no Acre o capital se antecipou ao movimento da força-de-trabalho que ele próprio produz.
A população urbana do Acre, que em 1970 representava somente 26% do total geral do estado, passa para 44% em 1980 e 62% em 1991. Na capital Rio Branco, a situação é ainda mais grave: em 1970, sua população urbana representava 16% da população total, passa a ter 29% em 1980 e em 1991, já alcança 40%. Em 1991, Rio Branco já concentrava 65% de toda a população urbana do Acre.
A marginalização urbana, até então pouco expressiva, passa daí em diante a ser um problema sério no Estado. As cidades não estavam estruturadas para receber um número tão elevado de migrantes. Conforme o Demógrafo Luiz Oliveira, a percepção do processo de crescimento urbano de Rio Branco desnuda claramente a instabilidade das condições de vida da população migrante – antiga força de trabalho e posseiros livres dos seringais e colônias – nos bairros periféricos da cidade. Expulsa dos campos, vê-se submetida a pressões constantes na cidade, desde a falta de emprego até a insegurança das moradias, premida pela falta de assistência e desamparo legal.
Outro fato importante é que, em meados da década de setenta, criam-se no Acre vários projetos de assentamento de trabalhadores rurais, visando alocar ex-seringueiros expulsos do campo, como também colonos de outros Estados do país.
Foi um momento importante da história recente do Acre. Os nossos graves problemas urbanos tiveram início com esse processo. É sempre bom reviver.
Orlando Sabino escreve às quintas-feiras no ac24horas