A proposta de hoje é analisar o comportamento da execução orçamentária do governo do Acre em tempos de pandemia. É sabido que as medidas adotadas pelas autoridades sanitárias, proibindo a abertura de várias atividades econômicas, paralisaram o fluxo de produção e comercialização de vários produtos e serviços no estado como um todo. Como método de análise vamos fazer um estudo comparativo dos primeiros 6 meses de ano de 2019 (período sem crise sanitária), com os primeiros 6 meses de 2020, onde, principalmente os meses de abril, maio e junho, foram fortemente atingidos pela pandemia. Serão utilizados dados dos relatórios da Lei de Responsabilidade Fiscal, produzidos e publicados pelo governo, além de boletins de arrecadação expedidos pelo Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ e do Demonstrativo de Distribuição da Arrecadação, disponibilizado pelo Banco do Brasil – BB.
Recursos extras encaminhado pela união, foram os responsáveis pela manutenção das receitas
Os R$ 233,4 milhões transferidos pela união, através do Apoio Financeiro aos Estados – AFE, atenuaram a queda de 7% na arrecadação do ICMS e 7,6% nas transferências do Fundo de Participação dos Estados – FPE. Como podemos observar na tabela acima, os dois juntos, representaram 93,4% da Receita Corrente Líquida – RCL no primeiro semestre de 2019, sendo 24,3 % a participação do ICMS e 68,8% a participação do FPE. Portanto, são as duas fontes da receita fundamentais para a manutenção da máquina pública acreana. Sem o AFE o estado teria dificuldades para gerir as despesas correntes, inclusive o pagamento de pessoal.
Merece destaque a queda de 2,2% nas receitas previdenciárias realizadas. Esta queda, junto com o aumento das despesas (4,9%), constante na tabela a seguir, serviram para aumentar ainda mais o déficit previdenciário, que saiu de R$ 245,7 milhões no primeiro semestre de 2019 para R$ 274,4 milhões, no mesmo período de 2020. Foram 28,7 milhões de aumento em 6 meses, crescimento de 11,7% no déficit.
Aumentaram os gastos com Educação (15,3%) e Saúde (5,1%)
Os gastos com saúde e educação compõem grande parte dos gastos públicos estaduais. A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece limites, um percentual mínimo de aplicação dos recursos líquidos de impostos e transferências em saúde (mínimo de 12%) e em educação (mínimo de 25%). No primeiro semestre de 2020 observaram-se aumentos tanto na Saúde (5,1%), como na Educação (15,3%). Os aumentos indicam ser provável o cumprimento dos dispositivos legais de gasto mínimo para ambas as pastas. É importante observar que o governo gastou muito mais em saúde, com recursos extras encaminhados pela união através do SUS, para fazer face com as despesas para combate à Covid19, inclusive para instalação dos novos hospitais. Constam nos relatórios, que mais de R$ 175,2 milhões foram transferidos e executados pelo governo do Acre.
Investimentos crescem 121%, mas executou somente 8,3% do previsto no ano.
Em artigo do dia 12/3, observei a necessidade de preparar a máquina pública para restabelecer e ampliar os níveis dos investimentos em todos os segmentos priorizados em planos, principalmente naqueles que possam dar uma resposta mais rápida, de curto prazo, na geração de emprego e renda na nossa economia. Na ocasião me referia a execução orçamentária de 2019. Conforme o balanço orçamentário de 2019, havia uma dotação de R$ 587,5 milhões disponível, mas a sua execução foi de somente R$ 131,4 milhões, ou seja, 22% dos recursos disponíveis. No primeiro semestre de 2020, apesar do aumento dos gastos com investimentos, em relação ao mesmo período de 2019, somente 8,3% do previsto para o ano foi executado, muito pouco. A previsão atualizada de investimentos para o ano é de R$ 691 milhões. Desse valor, somente R$ 135 milhões foram empenhados (19,5%) e destes, somente R$ 57,4 milhões foram liquidados (executados). Observo aqui que a crise sanitária também influenciou, em muito, neste baixo nível de execução. Porém acredito que medidas estejam sendo tomadas para possibilitar uma ampliação desse nível de execução, logicamente, quando a crise sanitária permitir.
Pagamento do Principal, Encargos e Juros da dívida cresceu 4%
Apesar de várias renegociações da dívida do estado para com a união, o pagamento do principal, dos encargos e dos juros da dívida cresceu 4% no primeiro semestre de 2020, em relação ao mesmo período de 2019. Até junho, R$ 246 milhões foram pagos pelo governo, R$ 9 milhões a mais. A alta do dólar, certamente influenciou o aumento do desembolso estadual, já que a maioria da dívida acreana é indexada ao dólar. A tentativa de alongar mais a dívida seria uma grande oportunidade para melhorar o fluxo de caixa do governo em tempos de Covid19, mas pelo que dizem os números, isso não ocorreu.
Municípios perderam R$ 12 milhões de repasse constitucional
A queda na arrecadação do ICMS refletiu-se no repasse constitucional aos municípios. São 25% da arrecadação de ICMS e 50% do IPVA que vão mensalmente para os municípios. Tanto o IPVA como o ICMS caíram mais de 7% no período analisado. Foram menos R$ 2,5 milhões de IPVA e R$ 45 milhões de ICMS, cujos percentuais correspondentes, deixaram de ser repassados. Portanto, as receitas municipais também foram muito afetadas. Os municípios também foram amparados pelo governo federal, através do Apoio Financeiro a Municípios – AFM. Para exemplificar, só o município de Rio Branco recebeu R$ 118,4 milhões de AFM, no primeiro semestre de 2020.
As despesas totais cresceram 6,2% e acompanharam o crescimento das receitas totais (6,9%)
Apesar do aumento do déficit previdenciário; do aumento no pagamento do principal, dos encargos e juros da dívida; da queda de arrecadação de impostos e da queda nas transferências constitucionais, o apoio financeiro da união equilibrou receitas totais com despesas totais. Aparentemente, as demais despesas mantiveram-se num baixo crescimento, inclusive a folha de pagamento que aumentou somente 4,2% no período analisado, aparentemente, um crescimento vegetativo.
Concluindo, não resta dúvida que a pandemia interferiu na execução orçamentária do primeiro semestre de 2020. Destaco três questões em nossa análise: 1 a importância do Apoio Financeiro aos Estados instituído pelo governo federal após aprovação do congresso. Sem essa ajuda dificilmente o estado do Acre conseguiria honrar todos os seus compromissos; 2 a persistência do déficit previdenciário, mesmo com a implantação da reforma da previdência merecerá sempre uma atenção especial por parte do governo e 3 os baixos níveis de execução para os recursos de investimentos realizados pelo executivo. Os números indicam que o problema não é carência de recursos financeiros, pois, conforme o balanço orçamentário, o saldo para investimentos era de R$ 633,4 milhões. Reforço a necessidade de preparar a máquina pública para restabelecer e ampliar os níveis dos investimentos públicos no período pós-pandemia. Ele será fundamental para atenuar a taxa de desemprego no estado, que alcançou 14,2% no segundo trimestre do ano, bem acima da taxa nacional que ficou em 13,3%.
Orlando Sabino escreve às quintas-feiras no ac24horas.