Atrasei propositalmente o artigo desta semana, quando participei de uma dezena de bancas que avaliaram os trabalhos de conclusão de curso dos formandos da Engenharia Civil. Somente este semestre orientei meia dúzia deles.
Foi a primeira vez, na Uninorte, que as apresentações aconteceram utilizando os recursos da internet, em ambiente virtual. Houve mais prós que contras no novo modelo imposto pela pandemia vigente. Horários foram melhor cumpridos, os tempos melhor dimensionados, a platéia mais comportada e presente. Infelizmente nossas Ois, Tims, Claros, Vivos, Nets e tal não ajudaram suficientemente na qualidade das conexões.
Entre trabalhos de conclusão, apresentações de estágio, defesas de iniciação científica, de mestrado e de doutorado devo ter participado de algumas centenas de bancas examinadoras nos últimos vinte e poucos anos. Lembro de ter proposto apenas duas reprovações, ao todo. Principalmente nos cursos de Engenharia, onde a evasão é enorme, chegar ao final já é uma demonstração de competência e não somente de perseverança.
De transporte público, acessibilidade, mobilidade, trânsito, saneamento, resíduos sólidos, drenagem, fundações, materiais de construção, orçamentação de obras, avaliação de imóveis, tarifação de serviços, tipologias construtivas, patologias et coetera et al, já teve ‘de um, tudo’.
A Engenharia Civil é vastíssima em possibilidades, mas confesso que minha criatividade para propor novos temas começam a se esgotar ultimamente. Ao contrário, a cada apresentação me sinto mais Matuzalém: Vêm as lembranças das vezes anteriores que assisti a trabalhos correlatos. Déjà vu! Já vi isso antes, já perguntei isso antes, já trabalhei nisso antes.
Numa banca desta semana, que discutia a possibilidade da utilização do bambu para a construção de abrigos de ônibus, meus comentários remetiam às férias na fazenda Cananéia, do tio Hélio, talvez o maior colecionador de variedades de bambus no Brasil.
Cercas, canalização de água e até a ducha do açude eram feitas de taquaruçu. A casa e todo o mobiliário eram construídos de uma espécie que conseguiu, trazida da Colômbia ou Equador.
Quando a aluna falou que no Acre está localizada a maior reserva natural de bambus do planeta, me lembrei que em 1985 (ou foi 86?) apareceu por aqui um pesquisador japonês, da Universidade de Kioto que, após ter lido sobre isso numa notícia de jornal, fretou um avião para Assis Brasil e, após duas semanas tentando varar um tabocal, voltou para a terra dele carregado de escaravelhos e borboletas. Quando ela agradeceu o apoio do doutor Murad no desenvolvimento do trabalho, a imagem que me veio foi do Beto criança, recém saído dos cueiros.
Para ficar no mesmo dia, quando outro aluno tratava das alternativas de aproveitamento dos entulhos de uma obra ao invés de mandar tudo para um aterro, só me vinha à mente meu professor da graduação Tarcísio Pinto, recém formado e formatando seu mestrado sobre o mesmo tema, por volta de 1980. Falei mais sobre como a empresa Encol tirava vantagem de processos para a redução de perdas e racionalização de processos, em relação às concorrentes, no início da década de 1990, que sobre as expectativas em relação ao trabalho apresentado.
Olho agora para as datas das coisas que conto e fico me perguntando quanto isso interessa à molecada que está se formando. Trazem algo novo ou são somente reminiscências desnecessárias?
O mundo de hoje me parece objetivo demais. Direto demais. Mas não dá para eu, simplesmente, jogar fora esses terabytes de memória acumulada e, assim, sigo me valendo do espaço que me dão nas bancas de TCC para compartilhar todas elas. Uma por uma.
Roberto Feres escreve todas às terças-feiras no ac24horas.