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Uma lógica abrangente 

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Todos somos considerados seres racionais. Mas não é apenas a razão que nos é marcante. As paixões também. Talvez as paixões, mais do que a própria razão, sejam as nossas marcas mais salientes. A razão estrutura os nossos pensamentos; as paixões, nossos sentimentos. Somos, portanto, seres “raciopassionais”. Um dia seremos “raciossentimentais”, entendidos os sentimentos como estágio superior de domínio das paixões, que quase sempre levam ao sofrimento, contrariamente aos sentimentos, que apontam para o prazer e a felicidade. De qualquer forma, razão e paixões (e sentimentos) estruturam as ações humanas e fazer emergir uma lógica atitudinal capaz de explicar qualquer ação humana. Não importa se o desafio a ser enfrentado ou o problema a ser resolvido será individual ou em grupo. Essa lógica sempre poderá ser utilizada. Quanto mais grave o problema ou desafiador o desafio, mais essa lógica mostrará sua utilidade. Neste sentido, este ensaio tem como objetivo apresentar um esquema lógico capaz de lidar com qualquer adversidade humana.


O ser humano é um ser instintual (outra forma de dizer passional). Até a razão foi desenvolvida a partir do instinto. Quando nos deparamos com alguma situação indesejada, procuramos saber com precisão o que está acontecendo. Isso é natural, no sentido preciso de que a natureza nos fez assim ou nos levou até esse estágio evolutivo. Um grande amigo foi reprovado no processo seletivo ao doutorado, logo ele que se considerava uma sumidade sobre uma das linhas de pesquisa do programa ao qual estava se candidatando. Imediatamente, relatou mais tarde, lhe veio à cabeça a grande pergunta “por que isso aconteceu?”. As respostas aos por quês geram esclarecimentos que permitem compreender as situações, como se fossem luzes focadas para determinado objeto que, na penumbra, não podemos distinguir os seus contornos, nem seus detalhes.


Em termos de mecanismo cerebral, queremos saber quais foram as causas daquele evento, quais foram as forças que, ao se juntarem ou se ausentarem, levaram àquele acontecimento. Meu amigo descobriu que não citou as fontes de seus argumentos e nem definiu de forma explícita a hipótese central de sua redação, assim como pelo menos duas hipóteses acessórias. Isso significa que a) não citar as fontes, b) não explicitar uma hipótese central e nem c) apresentar pelo menos duas hipóteses acessórias o levaram à reprovação. Mas, se alguém lhe perguntasse “por que você foi reprovado?”, muito provavelmente a resposta que forneceria não começaria mencionando essas três causas. Diria, muito provavelmente e de forma sintética, algo parecido como “não atentei para algumas exigências do edital” ou “não segui as normas de redação previstas no edital”.

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Compreendida a situação, a etapa seguinte é agir sobre as causas, anulando-as ou reforçando-as, conforme a relação com o efeito que queremos provocar. Os fatos e fenômenos do mundo são relacionais em algum grau, com maior ou menor intensidade, de forma direta (sem intermediação) ou indireta (com intermediação). A segunda etapa é a de planejamento: planejamos o sucesso através do manuseio de ou relacionamento com as causas. Meu amigo estabeleceu a seguinte lógica: criar uma tese e anotar os autores que a sustentavam e depois dois argumentos, também com a respectiva literatura científica de apoio. Em seguida determinou o tempo para a elaboração do esquema durante a prova, assim como quanto demoraria redigir o texto final. Depois de alterar o esquema várias vezes, chegou a um procedimento considerado exequível e satisfatório.


O que se planeja deve ser executado. A execução é a terceira etapa do esquema. Como uma receita de bolo, que pode ser alterada a forma de fazer alguma coisa, mas não a atividade que precisa ser feita, é preciso executar cada etapa e verificar se o resultado produzido foi aquele previsto. É que cada etapa de todo plano representa um resultado a ser alcançado. Mas não qualquer resultado. É preciso que esteja em conformidade com o que foi previsto, com o esperado. 


O amigo treinou durante um ano citar fontes em um texto tão curto, estruturado em forma de uma tese (hipótese central) e pelo menos dois argumentos (duas hipóteses acessórias). Nas primeiras tentativas, percebeu que perdia muito tempo com o planejamento do esquema da redação e com a identificação das fontes literárias que o validasse. Por outro lado, descobriu que redigia muito rápido o texto, quando finalizava a estrutura. Na primeira tentativa, levou exatas seis horas para isso, contra apenas uma hora para a redação. Essa é a terceira etapa do esquema global: é preciso estar atento para a execução do plano, para ver se o resultado obtido em cada etapa e subetapa esteja de acordo com o esperado. Se estiver, deve-se seguir em frente com o processo; se não estiver, deve-se acionar a quarta etapa, que é a correção das falhas detectadas.


As falhas são eventos naturais. Eventos naturalmente humanos. E são de uma fonte inesgotável de aprendizagem. É com elas que evoluímos e fazemos evoluir nossa capacidade racional. Quanto mais a razão se expande, maior a possibilidade de domínio das paixões desenfreadas, fazendo emergir a nobreza dos sentimentos. Ao invés de quatro horas, como rezava o tempo máximo previsto no edital para a confecção do texto, o amigo candidato conseguiu a proeza de fazê-lo em duas horas. Para isso, aprendeu como evitar cada falha detectada na execução de seu plano, que é a quinta etapa do processo. Passou a redigir quatro páginas (ou 120 linhas) nesse tempo, de tanto que praticou. Foi o primeiro colocado do processo seletivo seguinte.


Esse procedimento pode e precisa ser utilizado para fazer qualquer tipo de inovação. Neste novo desafio, mostraremos ao longo de 57 ensaios, divididos em cinco partes: percepção, planejamento, execução, acompanhamento e retificações. Apesar de lidar com questões eminentemente técnicas da literatura científica da produção tecnológica, cada assunto será tratado de forma literária popular, continuando nosso esforço de popularização do conhecimento científico sobre gestão da inovação tecnológica. Estamos convictos de que o resultado será de grande valia para todos os gestores atuais e para aqueles que pretendem enveredar pelo caminho da administração.



Daniel Silva é PhD, professor, pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e escreve todas as sextas-feiras no ac24horas. 


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