Todos nós temos uma força interior que, quando direcionada para a um objetivo específico, é capaz de operar verdadeiros milagres. Alguns a chamam de querer; outros, de força de vontade. Diferentemente da apatia, cuja característica essencial é a indiferença, a força de vontade, muitas vezes, pode até ser confundida com instinto, espécie de movimento brusco, intenso e impensado em alguma direção, parecido com a fascinação. Quando o indivíduo tem vontade, aquilo que é pretendido não lhe sai da cabeça, de maneira que consegue relacioná-lo a quase tudo o que percebe. Se gosta de futebol, por exemplo, e vê algum local baldio com gramado, é capaz de argumentar que ali é um lugar propício para um jogo de fim de tarde; se vê a lua imensa e brilhante no céu, pode vê-la como uma bola flutuando em direção ao gol adversário; e se vê dois grupos de pessoas, pode imaginá-los sem dificuldade como dois times em peleja. Este ensaio tem como objetivo explicar por que a força de vontade é essencial para aprendizados profundos.
Os antigos já diziam que, quando um não quer, dois não brigam. Essa filosofia tradicional tem um fundo científico relevante, se visto sob a ótica da neurociência: quem não quer aprender algo complexo, não aprenderá. Duas são as razões básicas para isso. Primeiro, o não querer é uma forma de programação (ou indisposição) do cérebro para resistir a qualquer tentativa de criação de um novo sistema de conexões neuronais para dar conta daquele aprendizado que recusa a produzir. O cérebro, portanto, se emociona no sentido contrário da aquisição do novo saber. O segundo, como consequência do primeiro, as forças de ativação neuronais não se farão presentes para iniciar o processo eletro-químico-magnético neste sentido. Resumindo, ficam praticamente barradas as possibilidades de se efetivar algum fim de aprendizado, quando o indivíduo não quer.
Lembro de alguns casos de alunos que estavam frequentando as aulas sem a vontade necessária para tal. Faziam-no porque alguém influente em sua vida havia requerido ou exigido. Estavam ali contra a vontade. Na verdade, apenas o corpo deles ali se fazia presente, porque a mente estava em outro lugar – em um barzinho, rodadas de amigos, jogos de futebol e assim por diante. Em termos científicos, a força de atração das outras alternativas era tão forte que minava qualquer possibilidade da vontade de aprender poder competir com elas. Seria necessário muito esforço e criatividade conjunta de professores, colegas, ambiente, assuntos das aulas e do próprio indivíduo para vencer tamanho poder. Em termos coloquiais, a força de vontade deveria ser muito grande, colossal para tal.
Outra filosofia antiga tem vastos exemplos de validade: quem quer alguma coisa, inventa uma forma; quem não quer, cria uma desculpa. A força de vontade é isso: inventar uma forma de materializar um desejo, não importa o quão difícil ou desafiador será ou quanto tempo levará. Quem não conhece inúmeras pessoas que tentaram por diversas vezes vencer um concurso, alcançar um objetivo, conquistar alguma coisa, sofrendo as amarguras da derrota (na verdade, cada derrota é um aprendizado necessário) para, um dia, alcançar a glória do sucesso? Quem nunca fez de tudo, até praticamente o impossível, para realizar o desejo da pessoa amada? Quem alguma vez já não moveu mundos e fundos, como se diz, para que alguma coisa acontecesse ou deixasse de acontecer? É isso que é força de vontade: a reunião de todas as nossas forças possíveis (e de outras pessoas também, muitas vezes) para que aquilo que queremos efetivamente aconteça.
Certa vez um indivíduo disse que seu grande sonho era ser juiz. Só que ele não estudava, pouco estudou. Já contava 18 anos de idade e não tinha terminado a quinta série do ensino fundamental. A razão? Estava convencido de que não era capaz. Mostrei-lhe inúmeros casos de pessoas que começaram a estudar já na alta idade adulta e se tornaram pessoas brilhantes e reconhecidas. Na semana seguinte reapareceu com a comprovação de matrícula no supletivo de ensino fundamental. No final do mesmo semestre concluiu o curso e se matriculou no de ensino médio. Um ano depois não apenas concluiu o segundo nível, mas entrou na faculdade. Só que no curso de Sociologia. O motivo? Estava convencido de que não passaria em Direito. Levei-o para assistir a algumas aulas e ele se convenceu de que era mais inteligente e capaz do que a maioria daqueles alunos. Passou em Direito no mesmo ano, passou em concurso público para se manter e cinco anos depois se formou com brilhantismo. Com o mesmo afinco fez especializações e preparações para a magistratura, culminando com sua aprovação nos primeiros lugares no certame. É um juiz brilhante. E com doutorado, raridade na realidade brasileira.
Se nosso amigo dissesse que passava a vida ao léu, praticamente analfabeto no final da adolescência, provavelmente ninguém acreditaria. Enquanto a vontade dele não se manifestava, não se transformava em ação, era apenas um sonho. Os sonhos são isso, vontades inativas, à espera que o indivíduo as desperte ou que alguém o ajude a fazê-lo. Quando despertas, difícil é contê-las. O mesmo se dá com o aprendizado: quem tem força de vontade é capaz de aprender em qualquer lugar, diante de qualquer circunstância e supera quaisquer obstáculos para isso. É isso o que explica os pobres que se tornaram ricos, o favelado que se tornou cientista brilhante, o interiorano que se fez inventor conhecido internacionalmente, o esquecido que se tornou o mais lembrado de todos. É força do querer que move o mundo e que nos faz aprender.
Por essa razão, a primeira coisa que todo professor e aluno deve fazer é saber se realmente quer aprender. Isso parece algo irracional, se colocado para crianças e adolescentes, muitos podem imaginar. Mas isso é errado. Todos têm sonhos. Crianças e adolescentes, mais ainda. O problema é que eles e seus professores não sabem que sonhos são forças de vontade represadas. Se conhecermos os sonhos de cada um, teremos grandes oportunidades de transformá-los nas forças de vontade de que precisam para realizá-los. A razão? Todo alcance de objetivo é consequência da força de vontade. Assim como não há causa sem consequência, não há sucesso sem vontade. Tudo nos é possível, mas só e somente se o quisermos.
Daniel Silva é PhD, professor, pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e escreve todas às sextas-feiras no ac24horas.