Angustiado talvez seja o termo para descrever como encontrei ontem o meu amigo Callado. Ele tem um neto autista e precisou recorrer à Justiça para que uma psicóloga habilitada no tratamento que recebe, no método Denver, acompanhe suas aulas na escola. Me disse que, mesmo assim, a escola se nega em cumprir a ordem judicial. Importante: a profissional que assiste o garoto é paga pela família.
O caso me lembrou de vários alunos que passaram pela escola de música que mamãe tem no interior de São Paulo. E me lembrou também de uma situação que ela passou quando eu ainda era adolescente.
Perto de casa havia o estúdio de um cabeleireiro, o Bruno, onde dona Josette ia regularmente. Um certo dia, duas senhoras falavam sobre suas jóias e, vendo mamãe sem mais nada além da aliança de casamento, perguntaram sobre as dela. Bruno tomou a palavra e disse: Josette tem as jóias de Cornélia.
Consta que nenhuma das duas entendeu a metáfora e não acredito que foram depois consultar sobre isso na Barsa que decorava suas salas. Para mamãe, foi o momento que Bruno ganhou seu coração.
Recapitulando, Cornélia foi mãe dos irmãos Caio e Tibério Graco, tribunos de Roma. Um dia, uma socialite da época, que exibia seus braceletes, colares e anéis, perguntou a ela porque não tinha jóias e Cornélia apontou para os filhos: estes são as minhas jóias.
Dona Josette costuma dizer que “quem meu filho beija, minha boca adoça”. Não há nada que supere a felicidade de ouvir coisas boas sobre nossos filhos.
Minha empatia com a dor do amigo Callado talvez tenha sido maior pelo momento que, eu próprio, sinta o gosto amargo do que se passou com minha filha mais velha no início da semana. Ao retornar da licença maternidade, descobriu pela imprensa oficial que fora exonerada do cargo que ocupava sem que qualquer comunicação lhe tivesse sido feita pessoalmente.
Mais estranho foi, porque recebera algum tempo atrás uma manifestação espontânea e gratuita do dirigente do órgão, informando que pretendia mantê-la em sua administração.
A contrário, recebeu um “pegue suas tralhas e desinfete o lugar”, acrescido de um “vá buscar seus direitos na justiça”.
Criei minha prole para que nunca dependessem de favores, jeitinho ou compadrio e creio que alcancei sucesso nessa empreitada. Minha mais velha, a que me deu o título de pai, e agora de avô, é um exemplo acabado disso.
Em seu primeiro emprego, na empresa Ductor, quando os trabalhos terminaram no Acre foi convidada a ir junto para um novo desafio em Guarulhos. Foi quando o Sesc a convidou para gerenciar a conclusão do complexo de Cruzeiro do Sul. Daí foi convidada pela área técnica do TJ para desenrolar a conclusão do fórum criminal e os serviços de manutenção das demais unidades espalhadas pelo Estado.
Há dois anos trabalha também à noite para a Uninorte. Construiu sua carreira por seus próprios méritos e virtudes e eu colhi os elogios que me adoçam a alma. Talvez, de todos, o mais gostoso é ouvir dos alunos da Engenharia que “há dois momentos no curso: antes e depois da Bia”, sem desmerecerem os esforços de toda a equipe da instituição.
A decepção, para ela, e a minha amargura, não foram pela perda do cargo. Esse cabe ao gestor escolher quem ter na sua equipe de confiança. A forma covarde como o ato foi conduzido, negando a ela a informação até o último minuto, é coisa de gente sem coração.
No mais, a vida segue. As mangas já estão forrando novamente o chão do quintal e as gêmeas, minhas netas, as jóias de Beatriz, estão crescendo para aprender a serem mulheres independentes como são a mãe, as avós, e tantas antepassadas protagonistas da própria existência.
Roberto Feres escreve às terças-feiras no ac24horas.
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