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Sai o PL 2.362, entra a FT Pró-Amazônia; aguardemos

Valterlucio Bessa Campelo


Em 16 de Abril de 2019, foi apresentado ao Senado Federal, assinado pelos Senadores Flávio Bolsonaro(PSL-RJ) e Márcio Bittar (PMDB-AC), o PL 2.362/19 que Revoga o Capítulo IV – Da Reserva Legal, da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, que “dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, para garantir o direito constitucional de propriedade”. Em síntese, o objetivo dos autores seria eliminar do cipoal de leis que envolve o meio ambiente, a obrigatoriedade de resguardar a título de reserva legal, parte da propriedade rural, o que no dizer dos autores significa (e é) grave restrição ao direito de propriedade, atentando deste modo contra pilar básico de nossa sociedade.


Além disso, assentam os autores, não há razão fática para tal restrição, pois a realidade sobre o uso da terra no Brasil demonstra extrema generosidade com a preservação ambiental. Os dados exibidos, oriundos de estudos recentes do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica – GITE pertencente à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, autorizam dizer que dois terços do território nacional são dedicados à preservação e proteção do meio ambiente. Apenas 30,2% das terras brasileiras são de uso agropecuário: 8% de pastagens nativas, 13,2% de pastagens plantadas, 7,8% de lavouras e 1,2% de florestas plantadas. O restante, 3,5% do território nacional, é ocupado por cidades, infraestrutura e outros. O pesquisador Dr. Evaristo de Miranda, Chefe do Centro GITE, endossa e divulga os dados. 


Há, portanto, duas alças a suportarem o PL2362/19 perante o Código Florestal. A natureza contrária ao direito básico de propriedade e a desnecessidade da reserva legal frente à realidade do uso da terra no Brasil. Lembremo-nos de que, na Amazônia, a legislação em vigor engessa para fins agropecuários nada menos que 80% da propriedade particular, o que sob qualquer análise é algo no mínimo singular, uma jabuticaba ambiental.


No último dia 13 de Agosto, mediante requerimento à Mesa do Senado, os autores retiraram em caráter definitivo, o PL 2.362/19. Não sem antes sofrerem ataques de muitos setores alinhados com o ambientalismo crente. A imprensa e os fóruns ecológicos se posicionaram fortemente contra a medida mirando os dois pilares. Em primeiro, coerentemente com a ideologia subjacente à sua feição pública, para eles o direito de propriedade quando existente deve ser anulado ou relativizado conforme o interesse coletivo, sem que gere com isto obrigação de indenização. Vale dizer, o Estado, pode e deve, em nome da coletividade, impor, sem oferecer contrapartida, limites ao direito ao uso da propriedade rural. Ao atingido resta chorar na calçada.


Em segundo, na rota do globalismo dominante nestes setores, a Amazônia, alvo principal do Código Florestal, não pertence ao Brasil enquanto nação que, aliás, também é uma criação a ser superada, mas à humanidade. Segundo eles (os globalistas) o estado-nação como representação política se tornou obsoleto e tende a ser substituído por um poder transnacional, global, gerador de um ordenamento infenso aos desejos e aspirações dos nacionais, ou seja, estão a erguer um ente autoritário de dominação de nossas vidas e, para isto a questão ecológica é crucial. Neste contexto, como definir internamente o uso de recursos (a terra agricultável) que para o resto do mundo, com a anuência dos entreguistas nacionais, não nos pertence integralmente? 


Muito provavelmente, os ambientalistas crentes, como denomino a parte da sociedade fanatizada pelo tema ecológico, comemoraram a retirada do PL como uma vitória, ou, se preferirem, uma rendição dos autores.


Se conheço algo do processo político, o PL dos senadores teve a intenção de “cutucar” uma questão aparentemente pacificada, qual seja a restrição imposta pela reserva legal nas propriedades particulares, especialmente na Amazônia. É razoável dizer que o monstro adormecido se coçou e, sendo assim, pode se mover, ou ser movido. É hora de rediscutir a questão amazônica vis à vis a experiência dos sete anos de vigência do Código Florestal e o novo momento político brasileiro. Para isto, creio, é que o Ministro do Meio Ambiente anunciou a criação de uma força-tarefa politicamente sustentada, que irá propor um novo equacionamento do plano de desenvolvimento da Amazônia enxergando a realidade do desmatamento e da vida das pessoas afetadas pelo arsenal normativo economicamente restritivo.


Neste sentido, o PL 2.362/19 teve o mérito de reabrir e revigorar um debate que atualmente se restringe ao número de focos de calor e a pertinência de declarações aqui e ali. Precisamos compreender que o novo desenho das forças políticas reflete mudanças na percepção das pessoas e demandas legítimas a elas inerentes. O discurso politicamente correto, muitas vezes abordado de modo oportunista por setores que deveriam resistir em suas convicções, não muda a realidade de pobreza em que vivem milhões de pessoas na região, nem o desalento dos jovens que saem das faculdades sem perspectivas de emprego, nem a dependência crônica dos recursos federais.


Por outro lado, na iminência de ações concretas de implantação de infraestrutura regional, pavimentação de estradas (BR 319, p.ex.), remoção de gargalos etc., é de supor que haja um propósito de integrar a Amazônia ao projeto de desenvolvimento e este não se dará por contemplação da floresta ou por coleta de sementes ornamentais. Haveremos de casar infraestrutura, financiamento, capital humano e recursos naturais visando a geração de riqueza, sob pena de multiplicarmos em poucos anos as mazelas já tão evidentes em nossa sociedade.


Ok. Rever o Código Florestal e a reserva legal poderia significar algum grau de rompimento do pacto de preservação da região estabelecido com organizações internacionais e, quem sabe, censura e reações graves nos fóruns globais com perdas inclusive econômicas. Mas, e daí? Que pacto pode ser mais importante do que as vidas abandonadas, os sonhos irrealizados e a pobreza que dá voltas como nossos igarapés e cresce com balseiros entulhando as cidades? Algo está errado na equação que nos legaram.


Importante nisso tudo é chamar novamente a atenção para a Amazônia e gritar que a opção pelo preservacionismo hard não resultou em melhoria da qualidade de vida das pessoas. Centenas de milhões de dólares empregados (?) no “desenvolvimento sustentável” não sustentaram um modo de vida minimamente digno, não fixaram pilares de crescimento econômico, não desmamaram do Estado os atores privados, pelo contrário. 


Reconheçamos. Depois de 30 anos da morte de Chico Mendes, este ente elevado à categoria de herói nacional, o Acre sofre mais. Embora sua figura emblemática tenha servido a tantos discursos, tantos textos e tantas promessas, dando força a carreiras políticas e acadêmicas sem conta, seu desiderato não se cumpriu. Somos ainda uma terra à espera de um destino, embora precisemos construí-lo.



Valterlucio Bessa Campelo é Eng.º Agr.º, Mestre em Economia Rural e escreve todas às sextas-feiras no ac24horas.