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O ponto de não retorno

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O homem destrambelhou na semana passada. A Maracujina já não resolve mais. Só num dia ele soltou a matraca nos ‘paraíbas’ do Maranhão, nos 40% da multa do FGTS, no financiamento da Bruna Surfistinha, tratou a jornalista Mirian Leitão de guerrilheira e mentirosa e disse que no Brasil não há fome nem desmatamento. Já não bastava o mal estar deflagrado com a insistência em nomear o filho para arauto na lanchonete do Trump, arrumou mais uma ruma de críticos absolutamente desnecessários.


Noves fora, exceto pela repercussão em sua própria imagem e pela trabalheira para a turma da faxina, o que o presidente disse ou deixou de dizer não vai alterar em muito o que se espera dele para os próximos 3,5 anos: polêmicas com a imprensa, polêmicas com a oposição, polêmicas com o meio cultural e descaso com as proteções básicas do trabalho, do meio ambiente e com a autonomia da própria equipe de governo.


É bem verdade que ele herdou o caos deixado por Lula e Dilma que surfaram nos anos de bonança e entraram no cheque especial e também no sem fundos. Instrumentalizaram o estado, institucionalizaram a propina e a dependência dos mais humildes e se apropriaram do erário no atacado, ancorados nas grandes empresas nacionais. Mas desmontar essa bomba relógio exige parceiros, o que não vejo o presidente conquistar recentemente.

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Vou me ater por aqui à questão do desmatamento na Amazônia e, mais especificamente, ao diagnóstico de que os índices estão crescendo. Se há algo onde o Brasil tem tecnologia de ponta é no monitoramento ambiental.


O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que divulgou o estudo questionado pelo presidente, é apenas uma das agências que atua sobre o tema. Seu sítio na internet mantém uma base com mais de 30 anos de informações obtidas diretamente dos satélites que orbitam nosso planeta, sobre o clima, tempo, queimadas, desmatamento e muitos outros produtos.


Mas, hoje em dia, com o que está disponível para qualquer usuário da internet, é possível ao presidente baixar, ele mesmo, imagens de satélite recentes e de excelente resolução e constatar se e quanto perdemos de florestas no último ano e nos anteriores. Uma boa dica, pela confiança que deposita no Tio Sam, é o site do United States Geological Survey (https://earthexplorer.usgs.gov/) onde dá para buscar as informações por data, local, satélite, num mapa bastante amigável.


Para grande parte da Amazônia o Google Earth, instalável em qualquer computador doméstico, mostra imagens de excelente qualidade para vários anos e basta navegar na série temporal em um mesmo local de floresta para verificar o que vem ocorrendo. Pessoalmente eu recomendo um passeio sobre a região de Boca do Acre ou da Reserva Extrativista Chico Mendes.


O que não vale é negar a realidade, argumentando que a informação deprecia a imagem do país. É possível sim que condições climáticas e até da própria dinâmica florestal (ex. morte periódica de bambuzais) falsifiquem alguma medida pontual. Anos mais secos ou mais chuvosos podem distorcer resultados, que são compensados na avaliação do ano seguinte (assim como os bambuzais se recompõem). Por isso que as séries históricas são muito importantes.


Diferentemente da discussão sobre as mudanças climáticas globais decorrentes do efeito estufa, que trata da possibilidade do aquecimento de uns poucos graus Celsius no globo terrestre, o desmatamento da Amazônia altera significativamente o clima e o regime de chuvas no Brasil e toda a América do Sul.


Levamos pouco a sério a pesquisa encabeçada pelo professor Marengo sobre os rios voadores e a importância da floresta para manutenção do vapor d’água na atmosfera. Quanto de vegetação é necessária para manutenção da umidade que a própria floresta precisa para continuar prestando esse serviço ambiental? Se não faz tantos séculos que tínhamos aqui uma savana, o que aconteceria se desmatarmos além do ponto de não retorno? Seremos um Kalahari? Um grande deserto como a Austrália?


Concordo com o presidente que a Amazônia é nossa e acho também que temos que nos preocupar bem mais com ela que qualquer outra nação estrangeira. O argumento de que outros países usaram suas florestas até a última árvore e agora interferem para não podermos cortar a nossa é, no mínimo, simplório.


Voltando ao presidente, sua liderança é importantíssima para articular com as personagens que vivem e produzem na região Norte. A população rural depende de áreas desflorestadas para sobreviver. Exploração mineral e da madeira são realidade que não pode ser ignorada. IBAMA, ICMBio, DNPM, FUNAI e as demais agências não dispõem dos recursos necessários para controlar e fiscalizar nossos 5 milhões de quilômetros quadrados.


O discurso presidencial é essencial para conciliar os interesses de fazendeiros, madeireiros, ribeirinhos, indígenas, extrativistas etc com a necessidade de conservação da floresta. Para isso, precisa de uma credibilidade que, como nosso bioma, pode estar próxima do ponto de não retorno.



Roberto Feres escreve às terças-feiras no ac24horas 


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