Valterlucio B. Campelo
O Brasil se tornou nos últimos 30-40 anos um grande exportador de alimentos, assumindo papel crucial na segurança alimentar de uma população mundial que em 2019 é de 7,7 bilhões. Um incremento estimado em 30% fará com que em 2050 existam nada menos que 10 bilhões de humanos sobre a terra. Se considerarmos um provável crescimento da renda média, a demanda alimentar pode ser 50% maior que a atual. Como produzir tanto alimento? Eis o desafio ao qual temos que responder sem exaurir nossa capacidade de suporte.
Uma eficiente combinação de potencialidades naturais, políticas públicas e pesquisa agrícola transformou o Brasil em player global de commodities agrícolas, porém, não se tem hoje, como antes, um percurso livre para a expansão da produção agropecuária. Há impedimentos muito importantes a serem considerados. Mudanças climáticas, degradação do solo, escassez de água, restrições sócio-ambientais etc., terminam por limitar espacialmente a área disponível, o que só pode resultar na necessidade de incrementos consideráveis na produtividade.
Estudos recentes estimam que 25% de todas as terras agrícolas do mundo já podem ser classificadas como altamente degradadas, enquanto outros 44% são moderadamente ou ligeiramente degradadas. Os recursos hídricos também estão sendo afetados, destarte mais de 40% da população rural do mundo vivem em áreas com escassez de água limitando gravemente as áreas irrigáveis. Some-se a tudo isso, o desperdício estimado em mais de 30% do total produzido e temos um desenho claro da importância do progresso tecnológico no setor agrícola.
É neste cenário que surge em rápida ascensão a chamada Agricultura 4.0. Emprestado do setor industrial, onde os avanços da moderna tecnologia da informação (TI) se firmaram primeiramente, o termo designa a incorporação dessa tecnologia à produção de alimentos visando a maximização da eficiência dos insumos utilizados.
O CEMA – Comitê Europeu de Maquinário Agrícola já demonstrou resultados importantes. Na Alemanha, as unidades agrícolas alcançaram aumento de 10% na produtividade por hectare, além da redução de 18% no uso de defensivos agrícolas e de 20% dos custos com diesel. No Brasil, grandes fazendas ligadas ao agronegócio já utilizam sistemas informatizados de ponta a ponta no processo produtivo e, mesmo com os altos custos de importação, o plantio, tratamento de pragas e a colheita de precisão crescem cada vez mais, utilizando máquinas guiadas por GPS. A EMBRAPA, órgão líder da pesquisa agrícola brasileira conta com dezenas de projetos sobre temas ligados a automação e transformação digital na agricultura.
Muitos sistemas, aliás, já estão cada vez mais disseminados nos setores modernos da agropecuária brasileira. Análise do clima, drones, GPS, piloto automático, telemetria, pulverização precisa, sensores e biotecnologia fazem parte do dia a dia de muitas fazendas, visando basicamente o aumento da produtividade decorrente do monitoramento de operações agrícolas, redução de desperdícios, detecção e mapeamento de infestação de pragas, melhora na eficiência da adubação etc. O Brasil do agronegócio já é referência mundial na agricultura 4.0, apesar das limitações em termos de conectividade no campo e mão-de-obra qualificada.
Por seus custos e aplicabilidade, os recursos tecnológicos da Agricultura 4.0 ainda são relacionados à produção em alta escala, o que leva a indagar sobre sua viabilidade na agricultura familiar. É questão de tempo para que o gargalo da conectividade seja inteiramente superado e, a partir daí, possam ser desenvolvidos e adaptados sistemas simplificados aplicáveis à diversidade, dimensões e localização da pequena produção. Em algumas áreas do Distrito Federal e Sul/Sudeste, vários aplicativos e plataformas já atendem demandas deste setor.
Concretamente, o governo de Minas Gerais através da EMATER/MG está implantando uma série de sistemas e aplicativos acessíveis ao pequeno produtor, constituindo um modelo que o Ministério da Agricultura e Pecuária – MAPA pretende replicar em todo o país após a avaliação de projetos-pilotos em fase de definição.
Enquanto isso, em regiões como o Acre p. ex., o desenvolvimento rural vem de patinar em debates que de tão velhos e maçantes mais incomodam do que resolvem. Queiram ou não os ecologistas radicais, a produção de alimentos não é uma escolha, é um imperativo. Não será soja orgânica a alimentar 10 bilhões de pessoas em 2050.
O momento atual parece propício a que se inicie um processo de mudança não apenas na perspectiva do agronegócio, entendido como grande produção de grãos e pecuária, mas também no sentido de estruturar os organismos do Estado com os equipamentos e recursos humanos necessários à implementação dessa tendência que se apresenta inexorável, incluindo a agricultura familiar. O campo se modernizará rapidamente e a produção de alimentos se expandirá perseguindo a máxima produtividade, o que atende preceitos de sustentabilidade e, ao mesmo tempo, remove a presunção de que o Acre seja um santuário florestal.
Valterlucio Bessa Campelo é Eng.º Agr.º, Mestre em Economia Rural e escreve às sextas-feiras no ac24horas.