O ac24horas revela com exclusividade detalhes contados pelo policial civil Juscelino Queiroz, principal vítima do ocorrido na noite do último 16 de março
A noite do dia 16 de março de 2019 deverá ser considerada a data em que o policial civil Juscelino Oliveira de Queiroz, 31 anos, teve a sua segunda chance. O trágico desdobramento onde ele foi baleado três vezes pelo subtenente da PM identificado pela reportagem do ac24horas pelo nome de Agnaldo Teixeira Damasceno, enquanto tentava evitar um assalto, no bairro Estação Experimental, em Rio Branco, repercutiu na mídia acreana, mas sem detalhes essenciais para elucidação da história que aparentemente está mal contada.
Após passar por uma cirurgia de cinco horas, ficar em coma por três dias e passar mais seis dias na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Huerb, saindo de um caso grave de quase morte, o APC Queiroz, natural da cidade de Xapuri e agente da civil desde 2014 com habilitação em tiro, mergulho e paraquedismo, conta com exclusividade o que aconteceu naquela fatídica noite.
“Resolvi sair com a minha esposa e decidimos ir jantar no Restaurante Picanha Mix. Chegamos lá por volta das 8h40. Eu nunca tinha ido ao local. Primeiro dei uma averiguada no local, vendo as pessoas que estavam frequentando e percebi que eram pessoas de boa índole. Escolhi uma mesa bem posicionada onde eu tinha visibilidade da rua, da entrada do restaurante. Identifiquei algumas pessoas que estavam no local, inclusive, dois policiais militares que estavam lá, sendo um deles que se envolveu na situação comigo, e outro um amigo que já tinha trabalhado comigo no 3º Batalhão quando fui Policial Militar”, conta Queiroz.
O policial civil revela que fez o pedido no restaurante, onde já havia se passado 25 minutos, quando percebeu que o policial militar envolvido na confusão se levantou da mesa junto com a sua acompanhante e foi na direção do pátio de provas do Detran. “Nesse exato momento eu identifiquei dois indivíduos em atitude suspeita, que estavam do outro lado da rua. ambos de capacete, sem uma moto, andando rápido e olhando para os lados, assustados, com atitude bastante suspeita e o PM em questão já havia entrado na rua, em direção ao pátio de provas onde o carro estava estacionado, quando os suspeitos visualizaram ele. Eu percebi que se tratava de uma ação provável de roubo em andamento e vi até quando um dos indivíduos tirou uma camisa. Ele tava com duas camisas de manga de punho. Virou uma do avesso e vestiu. Foi quando ele correu em direção do carro [do policial] , e ao me darem a janela, de virarem de costas para mim, eu corri em direção deles. Eu corri por uma parte da rua, que estava escura e tinha uns veículos estacionados, para que eles não pudessem me visualizar, e ao chegar numa posição privilegiada de abrigo, eu vi quando um deles estava do lado esquerdo do veículo, que estava o policial militar e sua acompanhante. A mulher estava no lado do motorista e ele estava do lado do passageiro. E o outro bandido estava do lado do motorista batendo com a arma na janela do carro”, revelou o civil, destacando que a vítima do assalto seria o policial que atirou contra ele.
Juscelino destaca que por saber que Agnaldo era policial, teve a atitude de ir ao socorro do colega para evitar que ele fosse vítima do assalto ou perdesse a própria arma para os bandidos. “Ao ver o cidadão batendo com a arma contra a janela do carro, eu me identifiquei e falei “parado, polícia!”. Como eu vi a arma, eu efetuei o primeiro disparo. Eles correram em direção ao pátio de provas e eu fiz uma progressão, fatiando para não ser surpreendido. Eles estavam correndo no pátio de provas e eu tinha uma visão muito boa, plana, enquanto eles estavam sem abrigo, eu estava abrigado, quando eu efetuei mais um disparo, depois efetuei mais e quando efetuei o terceiro disparo eu recebi o primeiro disparo na minha perna, que foi o disparo que quebrou o meu fêmur e eu cai”, revela.
O agente da Polícia Civil detalhou ao ac24horas a posição do militar antes de ser atingido pelo primeiro disparo. “O policial estava dentro do carro que estava estacionado colado na guia da calçada e eu estava na grama, ao lado da calçada, com um pé na calçada ainda, era questão de distância de no máximo de 1 metro e meio, de onde eu estava para o veículo, e ele atirou numa distância bem curta. Eu estava com a minha linha de tiro apontada para um ângulo completamente diferente do dele, a direção era completamente oposta”, disse Juscelino ao gesticular com as mãos sobre o momento.
“Ao receber o disparo, eu vi ele [subtenente da PM] sair do carro e gritei sou policial civil, porra! Sou polícia, porra! Mesmo eu gritando que era policial, ele veio para a posição aqui de cima da minha cabeça e eu lateralizado e ele atirou daqui de cima para baixo e pegou os órgãos internos na diagonal descendente. E o outro disparo também pegou na perna”, enfatiza com riqueza de detalhes, afirmando ainda que mesmo após o terceiro disparo do PM, não parou de gritar: “Eu sou policial civil, caralho! Tu me matou, porra!…já perdendo um pouco a compostura”, enfatizando que em nenhum momento, mesmo baleado, pensou em revidar os disparos “para não atirar num irmão de farda”. “Eu atirei nos bandidos sim, mas nele em nenhum momento passou pela minha cabeça, mesmo sabendo que recebendo os disparos, eu podia morrer”.
Juscelino conta que talvez pelo treinamento que teve, ficou consciente, sem se movimentar muito, para não acelerar o batimento cardíaco por sangrar ainda mais rápido. “ O que eu fiz foi me apoiar com o braço e me arrastar para a grama, para tentar diminuir o fluxo de sangue na parte aonde estava aberto”, diz o agente destacando que ficou consciente durante todo o momento, confirmando inclusive que uma das médicas disse que ele teria perdido mais de três litros e meio de sangue.
Questionado pela reportagem se a intenção do militar era matá-lo, Queiroz usa uma linguagem técnica para justificar a ação. “Da parte dele, da intenção dele, eu não posso falar, porque é algo muito pessoal. Mas como policial, como instrutor de tiro, como instrutor do uso da força, como alguém que tem alguns cursos policiais, vários certificados como instrutor, como armeiro, como explosivista, operações especiais, curso de operação policiais, eu posso lhe dizer o seguinte: de forma alguma o policial é treinado para matar. O objetivo do policial independente da instituição é cessar ameaça, cessar injusta agressão. E a partir do momento que eu recebi o tiro na perna e eu não oferecia mais nenhuma ameaça, mesmo que eu já não oferecia porque eu já estava efetuando disparo para outra direção, a partir do momento que ele me identificou com uma arma, a primeira ação seria se identificar como policial e mandar largar. Ele não fez isso e efetuou o primeiro disparo, ai eu cai. Ali eu já estava com uma incapacitação mecânica que ele poderia muito bem conter a situação, mas ele foi e efetuou mais dois disparos, então tecnicamente, mesmo que fosse um bandido, mesmo que fosse um criminoso, eu considero que foi um pouco excessiva ação do policial militar”, pondera o agente que ressalta ainda não sentir “nenhum tipo de sentimento negativo de rancor, de sentimento de caça as bruxas, mas eu acredito que toda conduta que possa ser ilegal, ela possa ser averiguada da forma mais imparcial possível. As instituições têm que apurar sim e que qualquer ato abusivo tem que ser punido, mas meu sentimento, graças a Deus, não sei se é essa energia positiva, todas essas orações que fizeram por mim, só o meu pensamento de recuperar a minha saúde, eu não tenho nenhum tipo de sentimento negativo não”.
Quanto a ter recebido algum tipo de assistência do Policial, Queiroz negou qualquer tipo de ajuda, mas que foi comentado por alguns colegas de farda que o autor dos disparos tinha interesse em vê-lo. “ Eu não considerei o momento oportuno, mas fiquei muito feliz sim com a assistência da Polícia Militar me deu. A polícia militar a todo momento foi muito solicita na pessoa do Coronel Vagner, que é o chefe da Policlínica. Ele com um empenho muito forte me ajudou bastante. A polícia militar doou o meu material que foi feita a cirurgia e agradeço bastante e isso agilizou muito. Disponibilizaram o setor de saúde eles para minha recuperação na questão da fisioterapia e toda a assistência médica-psicológica que eu precisar, porque uma situação dessa é traumática. Fiquei muito feliz com a visita do comandante-geral da PM, Coronel Mário César, junto com o Coronel Teles, que foi meu comandante quando eu estava na Polícia Militar. Eu fiquei muito satisfeito com o apoio que a Polícia Militar me deu, mas muitos podem dizer que eles não fizeram nada mais do que obrigação, mas a gente sabe que tem muitos que tem que fazer e não faz então fica a minha gratidão”, disse.
Sobre a possibilidade do tiro ter sido mortal, Queiroz enfatizou que poderia de fato ter ido a óbito, mas graças ao trabalho da equipe médica do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), e os vários cirurgiões que estavam plantão no Huerb, a situação acabou sendo contornada. “No meu tórax foi atingido pulmão, diafragma, fígado e estômago, inclusive com lesão muito grave no fígado, mas a cirurgia foi excelente, muito bem feita e a recuperação também foi bastante rápida, então graças a Deus eu sou um cara iluminado por Deus”, disse.
Ao falar sobre o fato de não acreditar especificamente em Deus, antes do episódio, o policial civil revelou que era uma pessoa cética. “Eu acreditava numa força maior, mas era muito assim, não tinha um posicionamento definido. Hoje eu sei sim que Deus existe porque foram vários fatos que aconteceram simultâneos que se um deles fosse diferente, eu estaria morto. Então Deus trilhou um caminho certinho para que eu pudesse estar aqui hoje. Pessoas iluminadas, profissionais, técnicos que foram as mãos dele que me deram uma segunda chance e uma oportunidade que se Deus quiser eu vou fazer algo grandioso para recompensar”, finalizou.
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