As gotas d’água que caem no salão central, ameaçando a tela em óleo de dois metros de altura do artista plástico Sansão Pereira retratando um imponente Plácido de Castro em seu cavalo branco, são o retrato mais explícito do estado de abandono em que se encontra o Palácio Rio Branco.
Foi ali que no dia 1º de janeiro o governador Gladson Cameli (Progressistas), usando a faixa governamental, posou para uma fotografia ao lado do vice, Major Rocha (PSDB), e familiares. Logo atrás na parede, uma data e uma assinatura chamam a atenção. O dia era 6 de agosto de 2002, e o nome é o de Jorge Viana.
A data celebrava o centenário da Revolução Acreana, comemorada com a entrega de um Palácio Rio Branco reformado e revitalizado – quase que novinho em folha. O petista estava no último ano de seu primeiro mandato. Em 1999, assumira o estado com o histórico prédio de arquitetura de estilo clássico completamente deteriorado.
Jorge Viana assim o recebeu das mãos do antecessor, Orleir Cameli, tio do recém-empossado Gladson Cameli, que quer, novamente, fazer do Palácio Rio Branco a sede administrativa do governo. Para isso, ele precisará de tempo e recursos para uma boa reforma na estrutura física do prédio.
Assim como Jorge Viana, Gladson herdou um Palácio Rio Branco em condições bem ruins por conta da falta de manutenção durante os anos do governo de Sebastião Viana (2011-2018), irmão de Jorge. Contudo, a situação do local é bem menos crítica do que aquela de 1999.
A reportagem de ac24horas visitou a sede do Executivo acreano na manhã chuvosa da última sexta-feira, 4. Logo na entrada, tem-se uma má impressão. As paredes externas e a mureta que o cerca penam com a falta de pintura. Na entrada, uma pichação dá as boas-vindas ao cenário de abandono.
Até o dia 31 de dezembro, o Palácio Rio Branco contava com guias para conduzir os visitantes pelo museu inaugurado por Jorge Viana que funciona no térreo. Com o fim da gestão petista, as funcionárias não tiveram o contrato renovado. Agora, quem deseja conhecê-lo se esbarra em portas e janelas de vidros quebrados.
Os guardiões do palácio
Seus únicos “moradores” são oito trabalhadores de uma empresa terceirizada, contratada pela Casa Civil, que fazem a zeladoria do palácio. A reportagem foi recepcionada por João Campos, que afirma trabalhar ali desde o governo Jorge Viana (1999-2006).
Seus contratos (com validade de cinco anos) vêm sendo renovados desde então. A presença deles, no entanto, não evita a deterioração causada pela falta de manutenção ao longo dos últimos anos. O problema principal está nos telhados. Danificados, eles facilitam a passagem da água da chuva que invade o interior, deteriorando as estruturas de madeira e concreto.
Sem vedação adequada nas janelas laterais, a chuva encontra outro caminho para adentrar no prédio. Os funcionários tiveram que improvisar um pedaço de madeira para fechar uma das janelas e, assim, evitar que a sede do governo do Acre seja alvo da ação de vândalos. O local, por sinal, não conta com sistema de monitoramento por câmeras nem segurança noturna.
Naquela sexta chuvosa, poças d’água se formavam na sala onde funcionava a administração. A água também se espalhava pelo salão central, revelando a deterioração do telhado de vidro. Os espaços mais preservados no andar debaixo são as salas do museu que contam a história do prédio e do Acre. Elas se encontram da mesma forma como de sua inauguração, em 2002.
No piso superior, acessível por duas escadas laterais, ficam as salas e salões onde as principais decisões políticas do Acre de 1930 – década de sua inauguração – até aqui foram tomadas. Daqueles idos, restaram apenas alguns móveis da época do primeiro governador do Acre Estado, José Augusto de Araújo. Eleito em 1962, foi deposto do poder em 1964 com a ditadura militar.
Superior e abandonado
Na parte frontal ficam os salões para reuniões e recepção de autoridades. Os belos móveis de madeira são da reforma promovida por Jorge Viana, e servem para simbolizar a força e a riqueza da floresta acreana – conforme se apregoava à época. Os espaços que foram usados para eventos luxuosos de recepção de presidentes brasileiros e dos países vizinhos agora estão de escanteio.
No andar de cima também são visíveis as infiltrações e outros problemas causados pelas goteiras. Um dos quadros da parede da sala de jantar foi retirado por conta do mofo. Grande parte das lâmpadas das luminárias está queimada. As cortinas nunca trocadas sofrem com manchas provocadas pela água que entra pela janela ou que cai do teto.
Mais ao fundo e bem mais preservado está aquele que é o gabinete do governador, e onde Gladson Cameli pode trabalhar. Ele fica paralelo à avenida Getúlio Vargas. Tem como vizinhos o Palácio das Secretarias e a praça do Memorial dos Autonomistas.
Nele estão as bandeiras do Brasil, do Acre e de Rio Branco. Logo ao lado, quatro poltronas permitem ao anfitrião da sala conversas com seus auxiliares mais próximos. Ao fundo e numa posição central fica a majestosa mesa de madeira onde Gladson poderá usar a sua mão esquerda para assinar medidas que terão impactos diretos na vida da população acreana.
Atrás de uma parede de madeira trabalhada fica a porta que dá acesso à saída e entrada secreta do governador, que precisa descer uma estreita escada em caracol. Um passo em falso pode leva-lo direto ao chão.
Ainda no gabinete, estão duas estantes. Numa delas ficavam três espadas que pertenciam a Plácido de Castro. Segundo funcionários, na gestão Sebastião Viana elas foram retiradas e levadas para a Casa Civil; não se sabe a razão.
Futuro incerto, passado em risco
O principal problema a impedir o governador Gladson Cameli reativar o Palácio Rio Branco como sede administrativa do governo – após ficar 20 anos com os petistas apenas como museu – é o não funcionamento do sistema de refrigeração, composto por ares-condicionados do modelo split.
Procurada para falar sobre o projeto de revitalização do prédio, a secretária Silvânia Pinheiro (Comunicação) afirmou que ainda não há nada definido. De acordo com ela, fazer do palácio seu local de trabalho é “um sonho do governador”, mas que diante da dificuldade financeira do estado, outras prioridades serão adotadas neste momento.
Não se sabe, por exemplo, se o prédio continuará como museu aberto à visitação do público. Em Brasília, por exemplo, apesar de o Palácio do Planalto ser o local de trabalho do presidente da República, ele fica disponível a visitas agendadas pela internet aos domingos.
Enquanto o futuro do Palácio Rio Branco não é definido, ele continuará a sofrer com o abandono e o descaso. Até o novo governo decidir quando agir, os guardiões do prédio (os funcionários terceirizados) vão assegurando a sobrevivência da história acreana – isso se eles também não forem demitidos pela caneta do novo governador.