Todos imos embarcados na mesma nau, que é a vida, e todos navegamos com o mesmo vento, que é o tempo.
Pe. António Vieria (Sermões).
*Roberto Feres
Durante minha infância, no dia 15 de dezembro trazíamos um pinheirinho para a sala e decorávamos com as bolas de vidro coloridas. Montávamos ao lado um pequeno presépio com a manjedoura vazia e, nas noites que seguiam, a família, sempre com agregados bem-vindos, formava um coro e cantávamos músicas tradicionais de Natal. Na manhã do 25 o presépio amanhecia com o menino em seu berço e nossos presentes sob a árvore.
Acho que ainda lembro o Adeste fidelis e alguns pedacinhos do O tannenbaum, que dona Josette fez também uma versão em português. Com o tempo, minha voz de taquara rachada foi trocada por uma flauta doce baixo que incomodava menos a vizinhança.
Assim como aqui no Acre, o interior de São Paulo é bastante chuvoso em dezembro, tornando aqueles dias parados e mornos. Bastante propícios para algumas reflexões que precisamos para medir o ano que passou e projetarmos nossos consertos para o próximo.
A gente cresce, cria asas. Demora para o passado fazer sentido. Essas lembranças se misturam com tudo que a vida juntou nos anos todos e mostram como são fortes alguns valores que trazemos dos tempos de criança.
Nasci numa família cristã e era um bom católico praticante quando se digladiavam na minha igreja os tradicionalistas pré João XXIII e os devotos da Libertação. Daí que cheguei no Acre de Dom Moacir e resolvi que exercer apenas minha engenharia na prefeitura seria algo mais produtivo.
O Acre me proporcionou algo novo que foi conviver com sua enorme diversidade religiosa: correntes protestantes, evangélicos, daimistas, espíritas e mórmons, todos também cristãos, além das crenças indígenas locais, trazem consigo valores de vida que transcendem cada uma de suas doutrinas.
Hoje voltou à moda falar sobre valores cristãos, como se isso fosse prerrogativa de algum movimento político da direita retrógrada, em contraponto a uma esquerda progressista, liberal e ateia. Mas haveria civilização sem valores fundamentais em suas bases? Se buscarmos a fundo, os alicerces da nossa cultura estão fundados na dignidade do ser humano, na vida, justiça, fraternidade e perdão.
O nascimento do Cristo celebrado no Natal significa muito mais para seus fiéis que a vinda do filho de Deus, o salvador de todos os pecados. Mostra uma vida repleta de exemplos a serem seguidos: humildade, respeito, discernir o certo do errado, se indignar com o errado, tolerar o diferente, ser proativo com o necessário.
É oportuno aproveitarmos essa moda que nos remete às religiões cristãs e tirarmos dela o que tem de melhor. Refletirmos sobre o que foram nossos últimos anos e como gostaríamos que fossem os próximos. Como aquele Jesus das escrituras sagradas teria feito se estivesse em nosso lugar?
Além das confraternizações, passeios no shopping e documentários da retrospectiva de 2018, é bom também realizarmos nossa própria retrospectiva e redefinirmos as nossas prioridades. O tempo é de desarmar as armadilhas que fomos pondo pelo caminho e as barreiras que nos separaram da busca pela felicidade.
Nossos valores são humanistas, independentemente do viés ideológico e também do religioso. Desejo viver num mundo que não os guarde em livros na estante ou postagens na internet, mas que os viva em seu dia a dia. Paz, liberdade, respeito e solidariedade precisam voltar à pauta de nossas prioridades.
Desejo, a você, que tenha a paz na convivência entre os seus, felicidade nas coisas simples da vida e dignidade em sua plenitude. Feliz Natal!
*Roberto Feres é engenheiro civil pela Universidade Federal de São Carlos, mestrado em Engenharia Urbana pela Universidade Federal de São Carlos (1998) e doutorado em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos (2002). É Perito Criminal da Polícia Federal. Tem experiência na área de Engenharia Civil, com ênfase em Mapeamento Geotécnico.