A decisão do ministro da Educação, Mendonça Filho, de pedir investigações sobre a disciplina “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, oferecida pelo curso de graduação em Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB), provocou reações em diversas universidades públicas brasileiras.
No curso da UnB, orientado pelo professor Luis Felipe Miguel, a disciplina se propõe a analisar a “agenda de retrocesso” durante o governo do presidente Michel Temer e os “elementos de fragilidade” do sistema político brasileiro, “que depuseram a presidente Dilma Rousseff”. O programa da disciplina foi publicado nas redes sociais.
Após a notícia do curso vir a público, o ministro da Educação informou que enviaria um ofício a vários órgãos de controle – Advocacia-Geral da União (AGU), Tribunal de Contas da União (TCU) e Ministério Público Federal – para que fosse analisada a legalidade do curso e o suposto uso de equipamentos da UnB para fins de “doutrinação partidária”.
“A consulta aos órgãos de controle visa a apurar possível prática de improbidade administrativa por parte dos responsáveis pela criação da disciplina e por fazer possível proselitismo político e ideológico do PT e do lulismo”, afirmou o ministro da Educação na ocasião, em nota. “A disciplina apresenta indicativos claros de uso da estrutura acadêmica, custeada por todos os brasileiros, para benefício político e ideológico de determinado segmento partidário em pleno ano eleitoral.”
A Comissão de Ética da Presidência da República vai investigar a conduta do ministro, que chegou a bater boca com Dilma nas redes sociais.
O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, defendeu a tentativa do governo de tentar barrar a disciplina. “Dizer que é uma das disciplinas da grade é uma atitude extremamente política e, obviamente, deve ser combatida, no meu modo de ver, na Justiça, para que recorram aqueles que se sentem contrariados”, afirmou Marun na semana passada.
Ao ser questionado se a medida não poderia ser vista como uma espécie de censura do governo, o ministro negou. “Uma coisa é liberdade de expressão. Outra é você colocar como verdade, em universidades públicas, uma evidente mentira.”
‘Solidariedade’
Além da UnB, ao menos outras quatro instituições já confirmaram que vão oferecer cursos com o mesmo teor: Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
“Foi uma iniciativa coletiva dos professores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas em solidariedade ao professor Luis Felipe Miguel (da UnB) e em repúdio às declarações do ministro que ferem a liberdade e a autonomia universitárias”, disse o professor Wagner Romão, chefe do departamento de Ciência Política da Unicamp.
Para o professor de História Carlos Zacarias, idealizador do curso sobre o “golpe” na UFBA, as declarações de Mendonça Filho ferem o artigo 207 da Constituição, que trata da autonomia universitária. “Nem os militares ousaram atentar contra a autonomia universitária.”
Questionado sobre o fato de a palavra “golpe” não ser consenso nem mesmo entre petistas, Zacarias respondeu: “Nem o golpe de 1964 é consenso. Algumas pessoas usam o termo ‘revolução redentora’. Estamos no meio de um processo e é difícil caracterizar. O que nos une aqui na UFBA é que somos todos contra a tentativa de intervenção do ministro”.
Em outras cinco instituições, professores também se manifestaram a favor da criação de cursos que caracterizam o impeachment de Dilma, em 2016, como “golpe”, mas elas ainda não avaliaram as propostas. São elas: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Universidade Federal de São João del-Rey (UFSJ). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.