Texto de Nelson Liano Jr. e Fotos de Jardy Lopes
A viagem para participar do Festival Yawanawa, nas cabeceiras do Rio Gregório, no coração da Floresta Amazônica, pode ser comparada a uma travessia dimensional. A saída de um mundo racional cheio de conflitos para um lugar mágico onde vigora a paz entre o ser humano e a natureza. Um reino vegetal em que as plantas e animais regem uma sinfonia de cantos, danças, cores e uma medicina sagrada capaz de curar as dores da vida. Tudo inspirado por uma espiritualidade ancestral preservada pelos pajés e caciques yawanawas.
O viajante disposto a conhecer a essência da cultura yawanawa passa por uma iniciação. São entre seis e oito horas subindo um rio em pequenas embarcações de rabeta repleto de obstáculos. O movimento das águas e a queda constante de árvores no seu leito criam um labirinto de pontas de paus na estrada aquática que leva à Aldeia Nova Esperança. Só a habilidade dos pilotos indígenas e a paciência dos visitantes são capazes de vencer esse espaço dimensional que separam e integram ao mesmo tempo os dois mundos.
Mas a chegada à Aldeia Nova Esperança rapidamente provoca a regeneração das lembranças das dificuldades da travessia para despertar novos sentidos aos viajantes. Na realidade a hospitalidade e o amor oferecidos pelo povo yawanawa integra os visitantes. No topo de uma colina, numa curva do Rio Gregório, a comunidade transpira alegria e espiritualidade ao mesmo tempo. Isso contagia a todos que ali chegam em busca de conhecimento para fazer as suas transformações interiores.
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O espetáculo dos seres da floresta
A conexão com a natureza acontece através das brincadeiras de mariri, cantos e danças no terreiro da aldeia. Durante o dia crianças, jovens e adultos mostram aos visitantes a riqueza cultural yawanawa. A noite, nas rodas iluminadas pelas fogueiras e inspiradas pela bebida ancestral ayahuasca, considerada uma medicina pelos índios, acontecem os rituais espirituais. Muitos recebem a cura para uma infinidade de males do corpo e do espírito. Os pajés mostram novos caminhos para uma maior percepção do próprio Ser.
A força cultural e espiritual atrai há 15 anos aos Festivais Yawanawas milhares de pessoas de várias partes do Brasil e do mundo. A Aldeia Esperança já recebeu visitantes de pelo menos 60 diferentes países do Planeta. Neste ano, cerca de 200 viajantes estiveram presentes à celebração yawanawa. Sem contar nos mais de 600 índios de várias outras etnias que também participaram dos festejos. Um verdadeiro movimento de integração planetária dentro da floresta.
A psicóloga paulistana, Mariana Yanuse, acompanhada do marido, que trabalha no mercado financeiro, Guilherme, entraram na roda indígena. Seminus e pintados de urucum e jenipapo, sem o menor constrangimento dançavam no embalo da cultura yawanawa. “Estou resgatando a minha raiz incorporando nesse momento o espírito desse povo da floresta. Me sinto em casa e estou a vontade. Nós todos brasileiros somos indígenas e temos que nos orgulhar,” afirmou a psicóloga.
Guilherme acostumado ao terno e a gravata para enfrentar a competitividade do mercado financeiro da Bolsa de Valores, troca a vestimenta. Se pinta e coloca adornos yawanawa. “A gente tem que ter abertura de pensamento pra entender a nossa origem. Fazer uma imersão nesse universo nativo que faz repensar as nossas referências no cotidiano massacrante das grandes cidades. Aqui nos expomos e podemos ser aquilo que a gente é verdadeiramente, sem máscaras,” explicou consultor financeiro.
Os yawanawas passaram por várias transformações e aculturamento, mas retomaram a cultura original graças a sabedoria e capacidade de articulação com o mundo exterior do Cacique Biraci Brasil. Ele fala sobre a essência da cultura da Nação Yawanawa que despertou a atenção do mundo.
“Se a gente olhar pra trás o contato com os povos indígenas gerou descriminações e desclassificação social. Acabaram nos isolando e nós aceitamos tudo aquilo que era passado pra nós. Nos recolhemos pra dentro e paramos com as nossas praticas espirituais e culturais. Quando voltei pra aldeia, em 92, depois de ajudar o movimento indigenista, vi que muitas pessoas no Brasil e no mundo respeitavam e valorizavam a Criação. Retomamos à origem, à natureza, à pureza. Nosso comportamento é diferente das demais civilizações. Somos um povo que ama a natureza e respeita o nosso Criador de verdade. O Ser Divino precisa amar, respeitar e proteger a Criação expressa na natureza. O nosso jeito de trabalhar com as plantas e evocar os grandes espíritos da floresta é a maneira de expressarmos o reconhecimento e o respeito ao Criador. Fomos interpretados pela civilização ocidental como um povo atrasado. Mas ninguém está mais preocupado do que nós com a geração humana, com o futuro da humanidade e da natureza,” argumentou Bira.
Uma nova geração de guardiões da natureza
Bira está passando as responsabilidade dos trabalhos culturais e espirituais do seu povo para o seu filho, Biraci Júnior. O jovem tem ascendência e liderança junto a juventude yawanawa fortalecendo ainda mais a cultura do seu povo.
“Somos jovens temos que ter a responsabilidade de dar continuidade ao conhecimento dos nossos antepassados. A missão é passar isso pras crianças para garantir a permanência da nossa cultura. Desde os tempos imemoriais todo esse conhecimento da nossa Nação foi transmitido oralmente. Fazemos um trabalho de proteção porque poderíamos ser influenciados com coisas negativas de fora. Por isso, aqui é proibida a TV. Só deixamos entrar aquilo que é para somar e não desvirtuar a nossa cultura,” explicou Bira Jr.
O jovem líder indígena reflete sobre o momento planetário e a insatisfação humana aprisionada ao materialismo.
“A humanidade está precisando de alento, o mundo lá fora está conturbado. As pessoas estão confusas e procuram o remédio aonde não podem encontrar. Tudo que as pessoas precisam para se conectar com a natureza, a floresta e a espiritualidade do universo está dentro de si. Cada um tem o poder de escolher o melhor pra si mesmo. A Nação Yawanawa através dos cantos, das danças, das nossas tradições, consegue fazer com que as pessoas se reconectem através da nossa medicina e dos nossos rituais. A gente precisa se reconectar para ser saudável e feliz nessa vida,” filosofa Biraci Jr .
Reconhecimento da cultura yawanawa
Neste Festival de 2016 poucos foram os políticos que participaram da celebração. O deputado estadual Jenilson Leite (PC do B) passou três dias integrado à comunidade. Ele avalia a importância do evento para o Acre.
“A festa sagrada do povo yawanawa é uma das mais belas manifestações dos povos da Amazônia no sentido da retomada da espiritualidade nativa. Houve uma reorganização da cultura e da autoestima que é necessária para os povos indígenas em função da desvalorização do mundo externo. Mas aqui no Acre conseguimos avançar e estamos vendo várias etnias retomando as suas culturas e fazendo festas tão belas como essa do povo yawanawa . Por isso, atrai pessoas do mundo inteiro sedentos para experimentarem esse modo de viver conectado à natureza. Não tenho dúvidas que os conhecimentos da cultura yawanawa pode ser uma alternativa para a humanidade que atravessa um momento muito difícil,” finalizou o deputado..
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