Por Carlos Venícius*
Inspirando-me nos ensinamento do grande Rui Barbosa, que diz “nós os advogados, não somos os instrumentos mercenários dos interesses das partes. Temos uma alta magistratura, tão elevada quanto aos que vestem as togas, presidindo os tribunais; somos os auxiliares naturais e legais da justiça; e, pela minha parte, sempre que diante de mim se levanta uma consulta, se formula um caso jurídico, eu o encaro sempre como se fosse um magistrado a quem se propusesse resolver o direito litigiado entre partes. Por isso, não corro da responsabilidade senão quando a minha consciência a repele” é que me proponho a fazer respeitáveis considerações acerca de matéria divulgada no dia 07 de outubro do corrente ano, intitulada “MPAC impetra mandado de segurança contra a concessão de progressão de regime para Hildebrando Pascoal”.
Farei, então, uma breve exposição sobre três pontos que considero de extrema importância para o completo entendimento do rumoroso caso. O primeiro deles abordará a progressão de regime (fechado, semiaberto e aberto) no Brasil. O segundo falará da exigência ou não da submissão do apenado ao exame criminológico para fins de progressão de regime e o terceiro discutirá a possibilidade ou não da impetração de mandado de segurança objetivando a concessão de efeito suspensivo às decisões proferidas no âmbito execução penal.
O Brasil, inspirado no modelo inglês, adotou o sistema progressivo de cumprimento de pena, no qual o apenado inicia o cumprimento em regime mais grave e, desde que reúna condições objetivas e subjetivas, vai progredindo para regimes menos rigorosos.
Esses requisitos exigidos para a progressão do regime podem ser divididos em objetivo e subjetivo. O requisito objetivo consiste no cumprimento de parte da pena pelo sentenciado no regime estabelecido que, poderá ser de 1/6 para os crimes comuns (art. 112 da Lei de Execução Penal, doravante chamada de LEP) e 2/5 (se o preso for primário) ou 3/5 (se o preso for reincidente) para os crimes hediondos ou equiparados, conforme a Lei 8.072/90.
O requisito subjetivo consiste, conforme inteligência do art. 112 da LEP, no bom comportamento carcerário, atestado por documento emitido pelo Diretor da Unidade Prisional em que o sentenciado encontrar-se recolhido.
É neste requisito subjetivo que repousa toda a celeuma atinente ao caso concreto uma vez que o Ministério Público do Estado do Acre, com fundamento no art. 8º da LEP, entende, salvo melhor juízo, que o reeducando para a progressão de regime deve ser submetido a exame criminológico.
Até 2003 para a progressão de regime havia a exigência da submissão do apenado ao dito exame criminológico, ocorre que a Lei 10.792/03 reformulou a LEP, e dentre as mudanças ocorridas na legislação sobressai a contida no artigo 112 que passou a ter a seguinte redação “a pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.”
Portanto, após a edição da lei supramencionada, a exigência do exame criminológico para a concessão da progressão de regime deixou de ser obrigatória no ordenamento jurídico legal.
Obviamente que essa regra possui exceção que, inclusive, está manifestada na Súmula 439 do Superior Tribunal de Justiça que dispõe que pelas peculiaridades do caso o juiz pode exigir o exame criminológico, desde que em decisão motivada.
Não parece ter sido esse o entendimento do Juízo da Vara de Execução penal, salvo melhor juízo.
Ora, quando um ato decisório, praticado pelo juízo da vara de execuções penais, não satisfizer o interesse de determinada parte, este deve ser combatido mediante recurso, que a legislação optou por chamar de agravo.
Os recursos no ordenamento jurídico legal podem ter os efeitos devolutivo e suspensivo, sendo que a atribuição do efeito suspensivo a determinado recurso traz como consequência a suspensão da decisão até o seu julgamento final.
O legislador brasileiro optou por não atribuir este efeito suspensivo ao agravo na execução conforme se pode da redação do art. 197 da LEP que diz que das decisões proferidas pelo Juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo.
Trocando em miúdos, a não atribuição de efeito suspensivo ao mencionado recurso impele a conclusão de que a decisão do Juiz da Vara de Execuções deve ser cumprida imediatamente, ainda que haja a interposição do recurso adequado.
É óbvio que o Tribunal de Justiça, por meio de seu órgão colegiado, pode modificar a decisão do magistrado quando do julgamento do agravo em execução, todavia até esta modificação deve, com a devida vênia, prevalecer a decisão proferida.
O mandado de segurança não é instrumento idôneo para conferir efeito suspensivo ao agravo em execução, conforme jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça para quem “não é possível, por meio de mandado de segurança, emprestar efeito suspensivo a recurso de agravo em execução interposto pelo Ministério Público – em razão de sua ilegitimidade ativa ad causam, com o fim de desconstituir a decisão do juízo das execuções criminais.” (RMS 23.086/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 07/10/2008, DJe 03/11/2008)
Saliente-se que a decisão mencionada não faz parte de um julgamento isolado por parte do Superior Tribunal de Justiça, sendo que reflete a jurisprudência consolidada daquela corte.
Cite-se à guisa de exemplo, os seguintes julgados recentes daquela corte: 1.) RMS 51.459/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 16/08/2016, DJe 26/08/2016; 2.) HC 354.622/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 28/06/2016, DJe 01/08/2016; 3.) HC 299.398/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 28/06/2016, DJe 01/08/2016 e 4) HC 344.698/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 10/06/2016.
Não há que ser desprezado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto a impossibilidade de atribuição de efeito suspensivo pelo mandado de segurança, principalmente depois do voto proferido pelo Ministro Edson Fachin no RE 655265 para quem “a regra do stare decisis ou da vinculação aos precedentes judiciais “é uma decorrência do próprio princípio da igualdade: onde existirem as mesmas razões, devem ser proferidas as mesmas decisões, salvo se houver uma justificativa para a mudança de orientação, a ser devidamente objeto de mais severa fundamentação. Daí se dizer que os precedentes possuem uma força presumida ou subsidiária.” (ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. São Paulo: Malheiro, 2011).
Concluindo, do plano de vista teórico entende-se, com a devida vênia, que o exame criminológico não é mais requisito subjetivo para a progressão de regime, ressalvada a exceção já exposta, e que o mandado de segurança por não ser instrumento idôneo para a concessão de efeito suspensivo ao agravo em execução não deve ser conhecido.
Carlos Venicius é advogado