Quando penso nas coisas sobre as quais gostaria de escrever e para quem poderiam ter alguma utilidade, penso com tristeza que a maioria daqueles para quem valeria a pena compartilhar ideias, sensações e sentidos não gosta ou não sabe ler. Talvez até consigam soletrar palavras em meio a frases sem sentido, mas ler de fato — interpretando os significados dos símbolos fônicos agrupados em frases — isso muito provavelmente não seja possível. Uma tragédia. É, tragédia social!
Ler e interpretar o que é lido é habilidade social básica para uma convivência de qualidade — aqui e em qualquer lugar do mundo. Falar e, principalmente, escrever sobre o que se sente, o que se vive e como se interpreta as coisas que acontecem no entorno é, então, algo ainda mais útil e sofisticado. Porque, quando compartilhamos ideias e sentimentos por meio de palavras — escritas, cantadas ou ditas —, ao mesmo tempo os estamos reinterpretando e, quase sempre, ressignificando. Novos significados afloram, tornando o que foi dito maior e mais expressivo do que quando foi apenas pensado ou sentido. Por isso, conversar, cantar ou escrever é tão poderoso.
As palavras iluminam as ideias. Mais que expressá-las, dão brilho e completude ao que o pensamento gera. Ao mesmo tempo, pelo poder mágico que têm, provocam releituras do próprio pensamento, alargando e aprofundando significados. É por isso que, em geral, bons filósofos são também bons escritores. A dificuldade para a maioria de nós não vem apenas da fragilidade de nossas escolas. Vem, sobretudo, da excessiva elitização da língua portuguesa, cheia de rebuscamentos e regras estranhas, que afastam mais do que acolhem. E sobre o que pensamos e poderíamos escrever por essas nossas terras, nesse confuso tempo que vivemos? Talvez sobre o estranhamento das chuvas intensas que provocam “alagação” em pleno dezembro. Ou sobre a tristeza das festas de fim de ano, hoje tão diferentes de anos — décadas — passados. Será porque o Acre agora é evangélico e, de alguma forma, desaprendeu a fazer festa?
Fato é que falar ou escrever sobre o cotidiano, sobre aquilo que é sentido ou pensado, sem recair nos velhos temas da política ou de nossas tragédias sociais, tornou-se tarefa difícil. Afinal, é quase impossível refletir sobre trivialidades em meio a feminicídios e crimes de intolerância sexual que marcam de forma brutal nosso dia a dia — como o que, dia desses, ceifou a intensa vida de uma pessoa extraordinária como Moisés Alencastro. Veja-se nisso o quanto somos capazes de produzir tragédias, o que, por si só, já é uma marca gritante dos problemas que enfrentamos.
Se não é possível falar do cotidiano sem recorrer ao trato das tragédias sociais ou políticas, o que dizer, então, do futuro? Talvez que ele esteja a cada dia mais distante. Ou, ao contrário, que as coisas estejam acontecendo a uma velocidade tão estonteante que se torne quase impossível falar do que está por vir, porque, enquanto pensamos, ele, quem sabe, já tenha passado.
O fato é que, nesta última coluna do ano de 2025, o mais marcante parece ser refletir sobre o quanto estamos cercados por tragédias que nos fazem renegar o passado — porque ele nos lembra que somos retardatários de uma floresta que nos rodeia e à qual muitos de nós devotam um quase ódio —, aprisionados em um presente prenhe de mazelas e diante de um futuro do qual fingimos não saber nada. Ou talvez saibamos, mas ele tem tanto potencial para ser ruim que preferimos acreditar que não sabemos.
Talvez o que possamos dizer é que seria bom se 2026 nos ensinasse de volta o quanto é possível lutar pela vida, construir a própria história como comunidade social, em vez de apenas reagir ao que os magnatas das finanças e das big techs estão preparando para nós. Que saudade de 1968 — um ano que não vivi, mas do qual sinto falta desde que nasci.
Foi o ano para o qual o tempo e as energias do universo fizeram convergir desejos, necessidades e ideias profundas. Desejos de liberdade sexual, social e política. Necessidades de respeito aos direitos sociais básicos das mulheres e dos negros. E ideias poderosas, como a de que somos iguais em nossas singularidades e moradores de uma casa comum — o planeta Terra —, cabendo ao Estado garantir condições para que todos possam viver plenamente suas capacidades e para que a natureza seja protegida. Para um socialista como eu, um típico idealista sonhador, como não sentir saudade? Que venha 2026!