… final de semana, bares cheios, ruas vazias, a cidade dorme… na solidão da madrugada mergulho em pensamentos, o sono escapa… sua imagem surge em um raio de luz azul vindo de trás da TV – que detesto no quarto. Ela se foi para sempre na brutal madrugada fria, cuja cena se repete todos os dias na memória… e o Natal está chegando!
Emoções embaralham minha mente: tristeza, separação, saudade. Pensamentos orbitam, a consciência flui sem controle e a dor daquela mãe me inquieta. Ausência da filha, por um instante, o mundo todo cabe no meu coração, crua angústia. A dor da perda é profunda, escura e onde a luz não chega…
O ar se adensa, tornando cada respiração mais difícil, o espírito estremece diante da intensidade do momento. Na penumbra do quarto, o nó na garganta tenta conter as lágrimas que insistem em fluir dos olhos, enchendo o coração de memórias que parecem não ter fim… lembranças do último Natal, risos, alegria, agraços, beijos e afagos, afetos…
… no tênue raio de luz azul que foge por trás da televisão — que tanto desgosto causa — e ali, suspensos, fragmentos de dor flutuam como estrelas cintilantes… giram, rodopiam em redemoinhos… ela soluça, eu sinto…
Entre a manjedoura e o gólgota, suores de sangue permeiam o instante no Getsêmani daquela mãe, como se cada lágrima fosse um cálice de dor. O silêncio reina absoluto; pássaros notívagos se calam… o instante é eterno… ela fala com Deus em agonia… tudo para, mas o Natal está chegando…
Ah o tempo, vi criança no colégio, mundo colorido; hoje, mãe, clamando por justiça. Vida em preto e branco, ausência, vazio. De volta ao quarto escuro, o pálido raio de luz azul e a dor latejante das lembranças… orações, sussurros, gemidos, soluços… alma chora e pulsa…vozes do passado ecoam distante.
A madrugada é longa, enfadonha, estira o partejar do dia; a luz não chega, o tempo congela. Imorredouras saudades, a lápide; desejaria tocá-la no berço, sentir seu cheiro, afagar seus cabelos, saciá-la com leite do peito, canção de ninar, como preencher o vazio de um Natal na casa que habita nela silenciosa, incompreensível…
… o fio de luz azul revela as partículas como estrelas cintilantes. Ah… se ela não tivesse saído naquela noite… estaria em casa no Natal que está chegando…até que venha o próximo ato no palco da vida onde se encena a tragédia do nosso cotidiano, da morte sem sentido de uma jovem no desabrochar da vida…






















