Ao completar um ano da morte de Joycilene Sousa de Araújo (Joyce), nesta segunda-feira (17), a família da gerente de empresas acreana segue enfrentando diariamente a ausência da mulher de 41 anos cuja trajetória, interrompida em 17 de novembro de 2024, se transformou em símbolo da discussão nacional sobre violência psicológica e feminicídio subjetivo. O caso, que provocou comoção no Acre e passou a ser acompanhado por instituições como o Ministério Público, o Centro de Atendimento à Vítima (CAV) e o Observatório de Gênero, segue em segredo de justiça.
Joyce morreu após uma sequência de abusos psicológicos, manipulação emocional e exploração financeira atribuídos ao então companheiro virtual, Thiago Augusto Borges, 42 anos, morador de Itabira (MG). A Polícia Civil de Minas Gerais cumpriu mandado de busca e apreensão contra ele em 17 de dezembro de 2024.

Foto: Joyce Araújo I Rede social/reprodução
Investigações apontaram que o homem teria se apresentado como médico para ganhar a confiança de mulheres e utilizar estratégias que resultariam em prejuízos emocionais e financeiros significativos. Borges sempre negou as acusações, afirmou que as transações foram consensuais e chegou a declarar, em entrevista ao g1, em dezembro de 2024, que era vítima de “calúnia e difamação”. Após as primeiras repercussões, desativou as redes sociais.
“Estamos aprendendo a conviver com a falta dela”
O ac24horas entrevistou Jaqueline Souza, irmã de Joyce e responsável por trazer à tona detalhes da relação abusiva que antecedeu a morte da irmã. “Joyce foi alegria e todos os dias são difíceis. Estamos aprendendo a conviver com a falta dela”, diz Jaqueline. A família faz acompanhamento psicológico semanal e tenta lidar com o luto que, segundo ela, “se transformou em luta”, disse.
Jaqueline afirma que o objetivo é impedir que a história seja tratada apenas como mais um caso de morte autoprovocada. “Não queremos que ela seja uma mera estatística. Queremos que se discuta o que a levou a fazer isso e que seja reconhecida a gravidade do que ele fez.”

Foto: Irmã de Joyce folheia páginas contendo mensagens de Thiago I Sérgio Vale/ac24horas
A busca por justiça e o andamento do processo
A família relata estar acompanhando de perto o caso e colaborando com todas as etapas, mas sob segredo de justiça, detalhes do processo não são divulgados. A delegada responsável, Lucélia Martins, não retornou às tentativas de contato da reportagem. “Acompanhamos com muita atenção qualquer informação sobre a situação dele”, afirma Jaqueline, referindo-se a Thiago.
Sobre algum tipo de expectativa em relação ao fechamento do caso, ela declara: “O nosso luto se transformou em luta. Queremos honrar a memória da Joyce. Que mudanças aconteçam na sociedade e na legislação para que outras famílias não passem pelo que estamos passando”.
A família estuda a criação de uma organização de apoio a vítimas e finaliza uma pesquisa científica que busca o reconhecimento do que chamam de feminicídio subjetivo ou feminicídio psicológico – uma vertente ainda não tipificada pela legislação brasileira.
As denúncias da irmã e o que mostram as investigações
O caso ganhou repercussão nacional após Jaqueline expor, em novembro de 2024, trechos das conversas entre Joyce e Thiago. Em 8 de dezembro daquele ano, o ac24horas revelou que a Polícia Civil analisava mais de 5 mil páginas de diálogos, em que a voz do agressor se sobrepunha em volume e frequência.
Ao longo de oito meses e 15 dias de relação virtual, Joyce enviou mais de R$ 100 mil ao companheiro e financiou um carro em nome próprio, além de pagar despesas diversas, inclusive refeições por aplicativo feitas por ele em Minas Gerais.

Foto: texto de mensagens trocadas entre Joyce e Thiago I Sérgio Vale/ac24horas
Os dois se encontraram presencialmente apenas duas vezes no Acre – encontros descritos pela família como traumáticos, inclusive para a filha de Joyce, que teria sido importunada pelo investigado. Para Jaqueline, o ciclo de manipulação psicológica e exploração financeira criou um ambiente de total controle emocional. “Ele assassinou a mente da Joyce. Ela só agrediu o corpo dela”, disse à reportagem no ano passado.
Falhas institucionais e discussão sobre feminicídio psicológico
O caso também levantou questionamentos sobre falhas no atendimento institucional. A formalização de uma Medida Protetiva de Urgência
teria demorado mais de 30 horas, familiares relataram dificuldades ao tentar registrar boletim de ocorrência enquanto Joyce estava hospitalizada e houve demora na comunicação entre o hospital e o Instituto Médico Legal após a morte, prejudicando a coleta de exames.
PL Joyce Araújo: repercussão nacional e tramitação na Câmara
Em março de 2025, a repercussão do caso inspirou a deputada federal Socorro Neri (PP) a apresentar o Projeto de Lei Joyce Araújo, que triplica a pena para o crime de induzimento ao suicídio quando praticado dentro de relações tóxicas, abusivas ou por estelionato sentimental.
O PL altera o artigo 122 do Código Penal, incluindo como agravante situações marcadas por manipulação emocional, violência psicológica, dominação e vulnerabilidade extrema. A proposta está em tramitação na Comissão da Mulher da Câmara dos Deputados, aguardando relatoria da deputada Célia Xakriabá (PSOL).

Foto: imagem de trecho de conversa entre Thiago e Joyce I Sérgio Vale/ac24horas
“Ela queria viver. Ela queria sair do sofrimento”
Joyce tentou suicídio no dia 11 de novembro de 2024, após meses de manipulação, humilhações e desgaste emocional. Chegou a apresentar melhora, mas sofreu complicações e morreu no dia 17, após uma parada cardíaca.
Para a família, a morte não pode ser dissociada do ciclo de violência. “Ela não queria morrer. Ela queria se livrar do sofrimento”, afirma Jaqueline. “Esperamos que a sociedade não se esqueça da Joyce, que a história dela continue sendo contada, não apenas como vítima, mas como a pessoa cheia de vida que ela era”, concluiu.
O que se sabe sobre Thiago hoje
Ao longo da última semana, o ac24horas tentou contato com pessoas próximas a Thiago Borges. A reportagem localizou a ex-mulher, com quem ele tem um filho em relacionamento anterior à Joyce, mas ela disse não saber do paradeiro de Thiago. Localizamos um irmão de Borges, que mora no Rio de Janeiro, que também alegou não conhecer a atual situação do investigado. Nas redes sociais, Thiago Borges tem perfis, mas sem movimentação e com apenas uma foto antiga no ar. Nós não conseguimos contato com ele.

Foto: Thiago Borges I Arquivo/ac24horas
Se você ou alguém que você conhece está passando por sofrimento emocional, pensamentos de autoagressão ou situação de violência, procure ajuda imediatamente. No Brasil, o apoio emocional gratuito está disponível pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), pelo número 188 ou pelo site do serviço. Procure também a rede de saúde, unidades de pronto atendimento, familiares, amigos ou profissionais de confiança. Pedir ajuda é um passo fundamental — você não está sozinho.


















