O Acre vive um momento de reconfiguração do cooperativismo rural, que o professor Orlando Sabino tem chamado de “novo cooperativismo”. Depois de experiências frustradas no passado, como as da CAEX e da CAPEB, a consolidação da COOPERACRE e o surgimento de novas iniciativas, como a COOPERCAFÉ em Mâncio Lima, a COOPAEB no Alto Acre e a COOPERXPURI, recolocam em pauta um velho debate com novas exigências: como transformar o espírito associativo e sindical, historicamente presente no meio rural acreano, em mentalidade de negócio, capaz de gerar renda, autonomia e prosperidade social?
O cooperativismo é, por natureza, uma expressão coletiva — mas, para funcionar, precisa incorporar o rigor da gestão. E esse é o grande desafio de nossas cooperativas
agroextrativistas: equilibrar a tradição comunitária com a racionalidade econômica. O Acre tem uma forte herança de organização social baseada no associativismo e no sindicalismo, frutos da luta pela sobrevivência, pela terra e por direitos básicos. Esse legado é valioso, mas, isoladamente, não sustenta o negócio. É preciso evoluir de uma cultura de reivindicação para uma cultura de gestão, em que a produção e o mercado sejam vistos como instrumentos de autonomia e não como extensão da política ou da dependência do Estado.
Essa transição cultural é complexa, porque exige romper laços simbólicos e práticos com o poder público. Muitas cooperativas nasceram — e algumas ainda sobrevivem — amparadas em convênios, doações e favores governamentais. Esse modelo, que para muitos parece garantir segurança, na verdade aprisiona a produção familiar. A dependência de governos enfraquece a autonomia, compromete a credibilidade e, frequentemente, transforma a cooperativa em um instrumento político-eleitoral, e não em um agente de desenvolvimento.
A nova fase do cooperativismo acreano precisa trilhar outro caminho: o da profissionalização da gestão. Isso significa investir em capacitação gerencial, planejamento, controle de custos, transparência e accountability. Significa adotar práticas de alta gestão e eficiência administrativa, baseadas em metas, indicadores e resultados. A cooperativa não pode se limitar a ser um canal de acesso a favores e repasse de recursos públicos; precisa ser um empreendimento de alta eficiência, com governança sólida, processos internos bem definidos e lideranças preparadas.
Outro ponto crucial é o ambiente de confiança e colaboração. O cooperativismo só prospera onde há credibilidade mútua entre direção e cooperados. E confiança se constrói com transparência: prestação de contas clara, comunicação constante e regras iguais para todos. Sem isso, abrem-se as brechas para desconfiança, disputas e personalismos — doenças antigas que já arruinaram boas iniciativas no passado.
As cooperativas acreanas, sobretudo as de perfil agroextrativista, lidam com cadeias produtivas complexas, muitas vezes dependentes de sazonalidade, variação de preço e gargalos logísticos. Enfrentar esse ambiente exige governança interna eficiente e segura, com decisões colegiadas, conselhos atuantes e sistemas de controle e conformidade que deem estabilidade à gestão. O sucesso de uma cooperativa, hoje, depende tanto da floresta quanto do escritório.
O que se busca, portanto, é um salto de qualidade. Um salto que una o espírito solidário da floresta à racionalidade dos negócios modernos. Que mantenha o ideal de coletividade, mas o coloque a serviço da prosperidade das famílias.
O cooperativismo rural acreano tem todas as condições para dar esse passo. Como já disse antes aqui mesmo nesse espaço, a experiência da COOPERACRE mostra que é possível combinar escala, qualidade e mercado. Mas, para a replicação do modelo, é indispensável que as demais lideranças incorporem a gestão como instrumento de emancipação, não como mera formalidade burocrática.
Sem gestão profissional, não há sustentabilidade. E sem sustentabilidade, o cooperativismo perde sua razão de ser. É nessa encruzilhada que o Acre se encontra — e dela dependerá se o novo cooperativismo será, de fato, o caminho para a autonomia da produção familiar ou apenas mais um capítulo da dependência disfarçada de solidariedade.















