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Nova regra federal impede usuários de programas sociais de apostar online

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Da redação ac24horas

Uma nova regra do governo federal, em vigor desde o início de outubro, está reconfigurando o mercado de apostas online no Brasil.


A Instrução Normativa publicada pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda, no dia 1º de outubro, determina que as empresas de cassinos online chequem, em um sistema federal, se o CPF de um usuário está vinculado a esses programas sociais. Jogue com responsabilidade.


Em caso positivo, a conta deve ser encerrada em até três dias. O objetivo da norma é cumprir uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir que recursos de programas assistenciais sejam utilizados em apostas.


Especialistas do setor, no entanto, levantam a bandeira de alerta. Pesquisa encomendada pela Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) indica que a proibição pode ter um efeito inverso, empurrando parte desses apostadores para o mercado clandestino, que já representa cerca de 60% do setor no país.


O mecanismo de bloqueio


O cerne da nova regra é um sistema de consulta obrigatória. As empresas de apostas, conhecidas como bets, precisam integrar seus cadastros ao Sistema de Gestão de Apostas (Sigap), uma ferramenta desenvolvida pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).


Essa consulta deve acontecer em dois momentos-chave: durante o cadastro de um novo usuário e no primeiro login do dia. Além disso, as empresas têm um prazo de 45 dias, a partir de 1º de outubro, para verificar todos os CPFs já cadastrados em suas bases.


Identificado um beneficiário do Bolsa Família ou do BPC, que somam milhões de brasileiros, a empresa é notificada e deve proceder com o bloqueio da conta e a devolução de eventuais valores depositados.


Um mercado de apostas em números


A dimensão do mercado de apostas no Brasil, que motivou a criação da própria SPA, ajuda a entender a relevância da medida. Dados do Ministério da Fazenda mostram que, no primeiro semestre deste ano, 17,7 milhões de brasileiros realizaram apostas em sites e aplicativos legalizados.


Em termos da economia brasileira, há diferentes interpretações. Enquanto o Banco Central estima um fluxo de recursos na casa de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões mensais, a Secretaria de Prêmios e Apostas adota um cálculo diferente: ela considera o valor efetivamente perdido pelos apostadores, descontando os prêmios pagos. Por essa métrica, o gasto líquido mensal é de aproximadamente R$ 2,9 bilhões.


O perfil do apostador beneficiário de programas sociais, conforme traçado pela pesquisa da ANJL, é majoritariamente masculino (70%), com idade entre 25 e 34 anos (40,8%). São justamente esses usuários que, a partir de agora, terão seu acesso barrado nas plataformas regulamentadas.


Proteção social versus mercado ilegal: o debate se acirra


O governo defende a medida como uma essencial ferramenta de proteção à população mais vulnerável. A regra é uma resposta direta a uma decisão cautelar do STF nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7721 e 7723, que tratavam do uso de recursos públicos em apostas.


No comunicado oficial sobre a nova regra, o secretário Regis Dudena enfatizou o esforço para “proteger cidadãos e cidadãs, sua segurança, seus direitos e seus dados pessoais”. A medida visa criar uma barreira para que o dinheiro destinado à assistência social não seja desviado para o jogo.


Contudo, a associação que representa as empresas do setor legalizado argumenta que a proibição pode ser contraproducente. Para a ANJL, a solução não é a exclusão, mas a educação e o jogo responsável.


“Proibir não resolve. Não é efetivo, além de incentivar o fortalecimento dos sites clandestinos, que são, atualmente, o grande problema a ser resolvido pelo governo federal”, declarou Plínio Lemos Jorge, presidente da entidade.


A associação sustenta que a decisão do STF proibiu especificamente o uso dos valores dos benefícios em apostas, e não o ato de apostar com recursos de outras fontes. O bloqueio automático do CPF, portanto, seria uma medida excessiva.


A pesquisa da ANJL também mostrou que 73,4% dos beneficiários entrevistados apoiam a regulação do setor, sugerindo que a educação, e não a proibição, teria mais aceitação.


O risco da migração para a ilegalidade


O grande temor expresso pelos críticos da nova norma é o crescimento do mercado ilegal de apostas. Sites clandestinos operam sem qualquer tipo de controle ou regulação, não oferecem ferramentas de jogo responsável e estão frequentemente associados a crimes como lavagem de dinheiro e fraude.


Com a porta fechada nas 80 empresas reguladas pelo Ministério da Fazenda, quase metade dos apostadores beneficiários pode buscar alternativas na sombra. O mercado ilegal, que já é predominante, pode se tornar ainda mais forte. Isso colocaria os usuários em uma situação de ainda maior vulnerabilidade, sem qualquer mecanismo de proteção ou recurso em caso de disputas.


Enquanto o governo trabalha para proteger o orçamento das famílias vulneráveis, a indústria legalizada alerta para um possível “tiro pela culatra”, em que o objetivo nobre de proteção social acabe, paradoxalmente, incentivando um ambiente mais perigoso e desregulado para o mesmo público que se busca proteger.


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Da redação ac24horas