Sophie Charlotte (Gerluce) na estreia de Três Graças; novela das nove forçou a mão para explicar história - Reprodução/TV Globo
Depois do gosto amargo deixado pelo remake de Vale Tudo (2025), Três Graças fez sua estreia na Globo nesta segunda-feira (20) com a promessa de um novelão com “N” maiúsculo, com todos os ingredientes a que o folhetim clássico tem direito –um “absolute novelão”, como a própria emissora tem descrito a história em peças publicitárias. Só que, para explicar a trama o mais rápido possível, os autores abusaram da boa vontade do público.
Para fazer a história andar, Aguinaldo Silva e sua equipe de roteiristas lançaram mão de uma artimanha pouco recomendada em um texto dramatúrgico: Lígia (Dira Paes) explicou para Kellen (Luiza Rosa) em uma conversa cotidiana como Gerluce (Sophie Charlotte) passou a trabalhar na casa de Arminda (Grazi Massafera).
Segundo a matriarca da família, Arminda cismou que a mocinha deveria substituir Lígia como a cuidadora de Josefa (Arlete Salles) –e, quando a ricaça coloca uma coisa na cabeça, não há ninguém que consiga demovê-la da ideia.
A conversa é importante para que o público entenda a relação entre a mocinha e a vilã, mas foi construída de maneira pouco natural. Afinal, se Kellen faz companhia para Lígia com tanta frequência, como a trama indicou, o assunto já teria vindo à tona anteriormente.
Pouco depois, outra conversa de Lígia e Kellen tratou de estabelecer que os remédios que a matriarca toma não estão dando os resultados esperados. Um ponto importante da novela, que introduz o problema dos medicamentos falsos, também acabou colocado em um diálogo nada natural.
O roteiro ainda abriu mão da sutileza para cravar no público o apelido de Arminda, “dona Cobra”. A alcunha foi repetida várias vezes em questão de minutos, a ponto de Cláudia (Lorrana Mousinho) soltar na frente da própria patroa o codinome nada carinhoso.
Apesar disso, não dá para negar que Três Graças tem potencial: apresentou sua heroína e sua vilã com tintas carregadas –Arminda, afinal, não quer cuidar da mãe doente e afirma com todas as letras que “cozinheira, na sua casa, não pode sair da cozinha”– e já criou casais para o público shippar, como Gerluce e Paulinho (Romulo Estrela) e Joélly (Alana Cabral) e Raul (Paulo Mendes).
Aguinaldo Silva e sua equipe ainda conseguiram introduzir os principais temas da história, da maternidade solo aos remédios falsificados, com direito a finalizar a estreia mostrando a estátua que dá nome à trama.
Com isso, os autores mostraram que Três Graças tem potencial para capturar o público que havia fugido das novelas das nove nos últimos anos –e que, às vezes, não é necessário reinventar a roda como tentaram Mania de Você (2024) e Vale Tudo, mas apenas fazer um arroz com feijão bem feito.