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(Des)honestidade, cinismo e o fim da 44ª linha

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Editorial ac24horas

É claro que um modesto editorial não vai se aventurar a fazer um tratado sobre a relação entre Religião e Política. Ou, pior ainda, entre Fé e Política. É muito arriscado. Um terreno muito arenoso e complexo para quem precisa resolver os problemas do mundo em apenas 44 linhas, com entrelinhamento 1,5, justificado, em tamanho 12 da fonte Times New Roman. Mas sobre cinismo e desonestidade é possível arriscar alguma coisa, diante do que foi noticiado no fim da semana que acabou.


A presença de Damares Alves, aquela mesma do “Jesus na Goiabeira”, aquela mesma das absurdas desinformações sensacionalistas sobre abuso sexual e torturas de crianças da Ilha de Marajó, esteve no Acre. O cenário começou a ficar complicado quando, segundo o que foi noticiado pela imprensa, ela afirmou que veio ao Acre como religiosa, não como política.


“Antes de ser senadora, eu sou pastora. Fui convidada como pastora para estar aqui, não por motivos políticos. É claro que, ao longo do dia, participamos de atividades com lideranças e imprensa, o que naturalmente tem um tom político, mas à noite quem fala é a pastora”, equilibrou-se.


Eh… não é fácil a vida de um leitor honesto. A honestidade, aliás, é moeda rara. O cinismo, talvez, seja o tostão mais vulgar entre os comuns. E a coisa toda é dita com ar grave, acaciano, como se estivesse a convencer Longinus, armado com a lança fatal, a não bolinar em costelas já tão maltratadas por tantos.


Nesse aspecto, a referência política de Damares Alves (a senadora ou a cristã?), Jair Bolsonaro, era mais honesto. Muito mais! Ele dizia para todos ouvirem: “Eu não sou coveiro!”; “Chega de frescura, de mimimi! Vão ficar chorando até quando?” são frases de uma honestidade reveladora, sobretudo com 700 mil mortes por covid depois.


“Enquanto eu for presidente não tem demarcação de terra indígena” é outra expressão de honestidade como poucas vezes se ouviu no país. Ele disse. Foi claro. Foi honesto. E uma parte do país foi se identificando com essa percepção plena de ódio e exclusão.


Já foi dito e escrito em muitas teses e papers acadêmicos sobre a relação entre “Bolsonaro” e o “bolsonarismo”. O Jair Messias Bolsonaro, com RG, CPF, pão e leite condensado, em prisão domiciliar com tristezas e soluços, está com os dias contados. É moeda miúda, comparada à doença que ajudou a florescer em parte do país.


E a coisa vai se entranhando, barranco abaixo. Na sede da igreja Assembleia de Deus, a declaração do pastor Luiz Gonzaga, uma das mais influentes lideranças religiosas (que isso fique claro!) do Acre foi cristalina. Em declaração à imprensa, ele tratou sobre o uso do púlpito como palanque para discutir o tema “O Cristão e a Política”.


“Não, não vejo porque é uma informação de opinião. É um conteúdo que as pessoas precisam tomar conhecimento. E ninguém melhor do que quem lida com essas pautas para falar sobre elas. Uma pessoa que tem autoridade para abordar esses temas”, revelou Gonzaga, o religioso, claro. Eça de Queiroz não conseguiria colocar na boca do Conselheiro Acácio uma expressão mais inventiva: “informação de opinião”. Mais acaciana, impossível.


No mais, as ideias sobre Liberdade, sobre violência contra a mulher, sobre feminicídio iam sendo atacadas, como a vara que importunava as costelas do crucificado, sem dó. Atacadas é uma maldade do redator: eram costuradas com uma percepção “informativo-opinativa”, ancorada por algum versículo de ocasião. O Acre tem mania de generosidade. Um dia aprende. Sobre o cinismo dito mais acima, fala-se em outro momento. Chegou-se, praticamente, ao fim das 44 linhas.


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