Com fluxo de R$ 30 milhões ao ano, autoescolas do Acre temem nova proposta de CNH

Por
Thais Farias

Um retrocesso. Mais sinistros (acidentes) de trânsito e maior gasto com saúde pública. Apenas alguns dos problemas apontados pelos Centros de Formação de Condutores (CFCs), conhecidos como autoescolas, diante da proposta do Ministério dos Transportes que busca mudar e reduzir em até 80% o custo para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) no Brasil. A medida vem sendo debatida e contestada por essas instituições. Ao ac24horas, o presidente do Sindicato das Autoescolas do Acre e diretor da Federação Nacional das Autoescolas, Queffren Licurgo Rêgo, detalhou o impasse.


De acordo com o sindicalista, o fim da obrigatoriedade de aulas em autoescola ameaça a existência de pelo menos 55 CFCs em todo o estado do Acre, sendo 19 somente em Rio Branco. Além disso, pode impactar diretamente em torno de 600 empregos ligados a instrutores de trânsito, confirma Licurgo, destacando que as operações financeiras dessas empresas em nível local movimentam cerca de R$ 30 milhões por ano.


Setor de autoescolas movimenta cerca de R$ 30 milhões por ano no Acre (FOTO: Sérgio Vale)

“Acreditamos que essa medida não é benéfica para ninguém. Não falo somente da parte financeira, mas do papel dos Centros de Formação de Condutores que, desde a criação da Lei 9503/97, é a única forma de educação para o trânsito que o cidadão recebe. Essa proposta é um retrocesso, indo contra as diretrizes apontadas pelo Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), que tem metas de redução de sinistro de trânsito”, declara.


Para o representante das autoescolas no Acre, a proposta do ministro Renan Filho não leva em consideração o alto índice de sinistros de trânsito que, consequentemente, pode acarretar em maiores gastos com saúde pública nos hospitais por atendimentos de possíveis vítimas. “Não acredito que, caso isto ocorra, alguém vá querer continuar no ramo, até porque dependendo do que ocorrer, não terá muito sentido investir em um setor que estaria fadado a falência”, argumenta Queffren.


“Uberização”

Ainda assim, o especialista em trânsito diz acreditar no trabalho que ele e seus parceiros estão realizando junto ao Congresso Nacional. “Estamos dispostos a sentar e chegarmos a um denominador comum, sem abrir mão da qualidade na educação para o trânsito”. Todavia, Queffren lamenta que 600 instrutores podem perder seus postos de trabalho e migrarem para a informalidade. “O que se entende das palavras do ministro Renan Filho e do Secretário Nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, é que teremos uma “uberização” dos serviços de aprendizagem de direção veicular”.


Sindicato teme “uberização” dos serviços com nova proposta de CNH (FOTO: Sérgio Vale)

A chamada “uberização” dos serviços se refere à precarização do trabalho de instrutor de autoescola. Isso porque, segundo o sindicato, o mercado pode ser dominado por plataformas online, com pouca ou nenhuma proteção trabalhista aos instrutores, que deverão trabalhar por conta própria. “Tanto que até mesmo o Ministério do Trabalho já foi envolvido na elaboração do projeto e não concordaria com a potencial uberização da categoria”, afirma.


Conforme a categoria, a perda é incalculável. “Os CFCs, de uma forma geral, são empresas que passam de pai para filho e alguns estão no mercado há mais de 30 anos. Não podemos falar somente de perda financeira, mas de toda história de vida por trás dessas autoescolas”. Queffren destaca que o cidadão, em um primeiro momento, pode acreditar em alguma vantagem: “mas o tempo pode mostrar tarde demais que essa medida, caso venha vigorar como o ministro pensa, poderá aumentar o índice de sinistros de trânsito, acarretando em pessoas hospitalizadas, mutiladas ou até mortas no trânsito”, lamenta.


Segundo ele, a principal problemática desse caso é a falta de orientação adequada e de profissionais capacitados para os futuros novos condutores. “Não é de hoje que nosso setor vem sofrendo ameaças com o intuito de acabar com nossos serviços. Sempre próximo de eleições isso ocorre por parte de alguém que deseja se promover, pois é uma pauta que mexe com muitas pessoas. Mas sempre estamos lutando e este ano criamos a Frente Parlamentar em Defesa da Educação para o Trânsito. Tivemos audiência pública onde o próprio secretário (Senatran) admitiu não ter nada de concreto no papel sobre a “possível proposta” do ministro ou da secretaria”.


A referida entidade sindical, que funciona desde 2002 no Acre, teve também uma audiência pública com participação de aproximadamente 1.700 CFCs em Brasília, onde mais de 80 deputados federais demonstraram apoio ao setor.


“Nós dos Sindicatos Estaduais e Instituto das Mulheres Pelo Trânsito estamos nos mobilizando para não deixar a educação de trânsito morrer e que consigamos juntos vencer essa batalha, mas sem esquecer que estamos e estaremos sempre abertos ao diálogo para encontrar a melhor solução para todos”, enfatiza Licurgo.


Autoescolas preveem perda incalculável se nova medida for efetivada. (FOTO: Sérgio Vale)

Segundo ele, o governo do Acre já está há 4 anos realizando o Programa CNH Social através do Detran/AC, e através desse projeto chegarão a 17 mil pessoas beneficiadas. “Além disso, os Sindicatos Estaduais e a Federação Nacional das Autoescolas conseguiram junto ao Congresso aprovar o CNH Social Nacional que irá ajudar os estados que ainda não tem o programa. No caso do Acre, poderá até ampliar a oferta. Isso irá proporcionar a inclusão das pessoas que não podem pagar para tirar a tão sonhada habilitação”, conclui Queffren.


O governo brasileiro iniciou neste mês de outubro uma consulta pública para mudar o processo de obtenção da CNH no país e tornar o documento mais acessível e barato para a população. A medida tem 30 dias para receber sugestões através da plataforma Participa + Brasil e depois seguirá para análise do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). Durante esse período, qualquer cidadão poderá enviar sugestões e contribuições.


Com o novo modelo, o conteúdo teórico poderá ser estudado de forma presencial nos CFCs, por ensino a distância (EAD) em empresas credenciadas ou, em formato digital, oferecido pela própria Senatran. Ele ainda retira a exigência de carga horária mínima de 20 horas-aula práticas. O candidato poderá escolher como fará sua preparação: contratando um centro de formação de condutores ou um instrutor autônomo credenciado pelos Detrans. Isso permite adaptar a formação às necessidades de cada pessoa e reduzir custos, mantendo a obrigatoriedade de ser aprovado nos exames teórico e prático para obter a CNH.


Veja aqui os detalhes dessa proposta

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Thais Farias