A Prefeitura de Rio Branco prepara uma ação inédita e de grande impacto social: a desocupação total do bairro Dom Giocondo, mais conhecido como Papouco, uma das áreas mais antigas e vulneráveis da capital acreana. Localizado entre o Cristo Redentor e o Instituto São José, o Papouco surgiu por volta de 1903, quando a cidade foi transferida do Segundo para o Primeiro Distrito, como alternativa às áreas mais afetadas pelas cheias do Rio Acre. Ao longo das décadas, o local se transformou em um assentamento precário, marcado pela ocupação irregular, pela presença de pessoas em situação de rua e, nas últimas décadas, por atividades criminosas.
Segundo o secretário municipal de Assistência Social e Direitos Humanos, João Marcos Luz, em entrevista ao ac24horas nesta terça-feira (14), a situação do Papouco exige uma resposta diferenciada do poder público. “Nós temos problemas na Sapolândia? Temos. No Hélio Melo? Temos. Na 6 de Agosto? Temos. Mas no Papouco é um problema diferenciado. Lá é muito maior”, disse. A gravidade da situação está detalhada em um relatório elaborado pela pasta, que já foi entregue à OAB e será apresentado nos próximos dias ao Tribunal de Justiça, à Defensoria Pública e ao Ministério Público. “A orientação do prefeito é a gente levar esse relatório para conhecimento de todas as instituições.”
De acordo com o secretário, o Papouco é uma área condenada pela Defesa Civil por risco de desbarrancamento, e não deveria ser habitada. “Ali não era para ter nada, muito menos seres humanos.” Além da vulnerabilidade física, a região abriga situações sociais extremas. “Lá tem um barraco que é usado só para consumo de álcool e drogas”, relatou João Marcos Luz.
Atualmente, 49 famílias moram no Papouco e 33 pessoas em situação de rua circulam ou vivem ali. Do total, apenas quatro famílias e quatro indivíduos em situação de rua não aceitaram a proposta de saída. “Isso aqui é uma coisa boa: a minoria não quer sair”, avaliou o secretário. O objetivo da Prefeitura é convencer esses moradores a deixarem a área com base no argumento de que “ali é um lugar insalubre, em desbarrancamento, e que o poder público está dando um lugar adequado, digno, para que eles possam morar”.
As famílias e pessoas em situação de rua serão transferidas para um novo loteamento no Segundo Distrito, em um terreno localizado ao lado do conjunto Rosalinda. “O terreno está bem avançado, já quase pronto”, informou. O espaço tem capacidade para 200 casas, das quais as primeiras já estarão prontas nos próximos 90 dias, prazo estimado para a realização da mudança. “Então eu imagino que, nos próximos 90 dias, essas casas estando prontas, será feita a mudança.”
As casas serão cedidas por um período de cinco anos e, ao fim desse prazo, os beneficiários se tornarão proprietários. “Elas não podem vender. Isso vai ser bem fiscalizado.” Para os que não têm autonomia para administrar uma moradia, como parte das pessoas em situação de rua, a solução será o aluguel social, com acompanhamento técnico e a mesma vigilância quanto ao uso adequado do benefício.

Foto: João Marcos Luz, secretário de Assistência Social e Direitos Humanos I Whidy Melo/ac24horas
A desocupação será realizada em um único dia, com ação integrada entre diferentes secretarias. “A Secretaria de Infraestrutura já entrando com máquinas e retirando aquelas barracas todas, com a Secretaria de Meio Ambiente fazendo arborização, colocando placas de área de proteção ambiental, com a Secretaria de Tecnologia e Inovação já colocando monitoramento para impedir outras invasões. Porque são duas questões: uma é tirar, e a outra é não deixar voltar.”
O relatório produzido pela Secretaria aponta, além da vulnerabilidade estrutural, a existência de exploração infantil, tráfico de drogas, exploração de idosos e até confisco de cartões de benefícios sociais por parte de traficantes. Há ainda a preocupação com a segurança pública, já que a região está sob influência do Comando Vermelho. Questionado sobre o risco de deslocar essas pessoas para áreas dominadas por outras facções, João Marcos Luz garantiu: “Já tem levantamento, estudo social. Lá é Comando Vermelho também. Isso foi levado em conta.”
Um dos pontos mais delicados do plano diz respeito à internação compulsória de pessoas em situação de rua que, segundo o secretário, não têm autonomia para tomar decisões. “O ‘Pai me dá um real’ [apelido de um morador de rua conhecido na capital] tem autonomia de estar na rua?”, provocou. “O ‘Pai me dá um real’ pode matar ou morrer a qualquer momento. É uma pessoa que não tem autonomia. Ele está ali sob o efeito de droga, sem ter nenhuma consciência plena. Assim também tem outros.”
O secretário afirma que o papel do poder público deve ir além da oferta de serviços, e que o tema precisa ser debatido com mais franqueza. “Eu posso, como Poder Público, oferecer o serviço a ela. Mas se ela não quiser, eu não posso fazer mais nada. Nós temos que sair desse ponto. Nós temos que ver uma forma. Levar essa pessoa para uma clínica, para um socorro, ela ter uma sala, ela ficar internada lá por um dia, depois tirar ela de lá, levar ela para um carro de acolhimento nosso, ou para uma clínica parceira. Agora, nós não podemos simplesmente ficar reféns do querer e da vontade de uma pessoa que não tem autonomia.”
A Prefeitura vê na remoção do Papouco um impacto direto na segurança do centro da cidade. “Infelizmente, a criminalidade a partir do Papouco influencia todo o centro da cidade. Em roubo de fio, em assalto, em furto, enfim”, afirmou. Para João Marcos Luz, a presença de uma cracolândia na região central da cidade prejudica não apenas o comércio, mas também a ação da polícia. “A polícia não entra lá por conta da população em situação de rua. Os malandros estão misturados com a população em situação de rua. Então ninguém sabe quem é quem.”
O secretário é categórico ao afirmar que a retirada dos moradores do Papouco será benéfica para a cidade como um todo. “Você resolve uma questão social, uma questão humanitária, ao mesmo tempo que você desmonta uma área que está dominada pelo crime. E isso certamente será muito bom para o centro histórico, a área histórica, toda a área histórica de Rio Branco”, finalizou.