Screenshot
Vi nesta semana uma entrevista em que o senador Alan Rick, que em mais uma pesquisa demonstra ter conquistado o coração de grande parte do eleitorado e a condição de favorito na disputa ao governo do próximo ano, ser pressionado pelo entrevistador que replicava o entendimento que escorre da grande imprensa para a periferia, sem necessidade de filtros ou de qualquer reflexão.
Em determinado ponto a questão da anistia foi colocada e o senador Alan Rick, ponderadamente, disse que votaria a favor de que seja ampla, geral e irrestrita, conforme transita na câmara federal. Como se ouvisse uma aberração, o bom repórter o interpelou: Mesmo para quem quis dar o golpe? Ao que Alan Rick respondeu negando, corretamente, que estivessem ali as condições efetivas de qualquer golpe, e referindo aos vícios de legalidade que infestam o processo desde sua origem.
Mais do que a já conhecida e louvável posição do senador em favor da libertação dos presos políticos, me chamou a atenção um aspecto subjacente ao debate sobre a anistia que é a questão ética. A pergunta “até dos golpistas?” vem carregada de um sentimento punitivista, é como dizer: “Então, vamos perdoar os criminosos?”. Sem nem recorrer ao fato de que não houve crime, considero a anistia dos presos políticos um imperativo ético. Inversamente, a questão a ser colocada é: Vamos condenar até os inocentes? Explico.
A justa pena remonta a Aristóteles que, em sua Ética a Nicômaco, discute a justiça como uma virtude que busca o equilíbrio e a equidade. Para Aristóteles, a justiça deve minimizar danos aos indivíduos e à sociedade, o que inclui evitar punições injustas a inocentes, um valor central para a estabilidade social.
No século XVII, John Locke (Segundo Tratado sobre o Governo), argumenta que o propósito do governo é proteger os direitos naturais (vida, liberdade e propriedade), evitando punições arbitrárias ou injustas contra inocentes. Para ele, o Estado deve punir apenas os culpados comprovados, com moderação e razão, para evitar o mal maior de condenar um inocente, o que comprometeria a essência da justiça e da sociedade civil. Essa ideia influenciou o pensamento jurídico que culminou na famosa formulação de Blackstone no século XVIII.
William Blackstone foi um jurista, advogado e acadêmico inglês, amplamente reconhecido como uma das figuras mais influentes na história do direito comum anglo-americano. Ele é mais conhecido por sua obra, Commentaries on the Laws of England (1765-1769), tornando-se uma referência fundamental para juristas, advogados e legisladores nos séculos XVIII e XIX, especialmente na Inglaterra e nos Estados Unidos. Em seu trabalho, ele afirmou: “É melhor que dez culpados escapem do que um inocente sofra”. Essa máxima, conhecida como Razão de Blackstone, tornou-se um pilar do direito penal ocidental.
A mesma visão pode ser encontrada em Immanuel Kant. Seu rigor quanto a equidade da pena afirmaria que a condenação de um inocente viola o imperativo categórico e o princípio do direito, enquanto absolver um culpado, em caso de dúvida, seria mais compatível com a proteção da dignidade humana e a busca por uma justiça racional.
Pois bem. O que ocorreu com o processo referente ao 08 de janeiro desobedeceu a esse arsenal jurídico-filosófico, trocando a ética por um pragmatismo punitivo que chega a ser cretino de tão evidente. Sem individualização da conduta, como punir adequadamente? Que régua miserável foi utilizada para igualar senhoras com bandeiras a traficantes armados de rifle? Se, na cabeça de algum daqueles vândalos, dois neurônios pensassem em um golpe, teria o Estado razão para em nome da justiça punir severamente centenas, ou milhar de pessoas cuja motivação e comportamento nada teve a ver com esse objetivo?
Na verdade, todos os punitivistas da Junta que nos governa, assim como a imprensa, sabem que aquela gente é inocente, mas precisam desesperadamente condená-las para que possam sustentar a versão do golpe. Sem golpistas, não há golpe, então criemos os golpistas, os condenemos rigorosamente e, depois, se for o caso, convenientemente, afrouxaremos a dosimetria liberando quem for bonzinho e “jurar nunca mais pecar”. As ditaduras costumam guardar um momento ternura para satisfazerem os espíritos ingênuos que captura. Lembremos que no auge das grandes purgas, em 1938, Stálin, de uma canetada só, libertou 55.000 prisioneiros (obviamente, perseguidos e condenados injustamente por ele mesmo).
O processo, o julgamento e a pena não podem servir a nada mais do que a justiça, não pode ser mais importante do que os fatos, não pode ser meio para alcançar um fim desejado (a prisão de Bolsonaro) deixando para trás um rastro de prisões, mortes, adoecimentos e tortura de centenas de inocentes.
Voltando à entrevista do senador Alan Rick, lembremos que o PL da anistia está sendo relatado para ir a votos (a urgência já passou), e tende a ser um cabo eleitoral importante. Por enquanto, no Acre, dois deputados já se manifestaram contrários (Socorro Neri e Zé Adriano), quatro a favor (Roberto Duarte, Eduardo Veloso, Coronel Ulysses e Zezinho Barnary), e duas (Meire Serafim e Antônia Lucia) estão postergando uma declaração clara a respeito. Entre os senadores, Alan Rick e Marcio Bittar são a favor, e Petecão disse que deixará para decidir em cima do PL no senado.
Como todos eles estarão em campanha em 2026 e, considerando o perfil conservador do nosso eleitor, recomenda-se muito cuidado nessa hora. Quem for cristão, também deveria ir em Deuteronômio 27:25 “Maldito aquele que aceitar suborno para ferir mortalmente o inocente.”.
Valterlucio Bessa Campelo escreve às segundas-feiras no site AC24HORAS, terças, quintas e sábados no DIÁRIO DO ACRE, quartas, sextas e domingos no ACRENEWS e, eventualmente, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor PERCIVAL PUGGINA, no VOZ DA AMAZÔNIA e em outros sites.