O assassinato da jovem Ionara da Silva Nazaré, de 29 anos (sim, para efeitos estatísticos, o IBGE considera até 29 anos como “Jovem”), foi o nono feminicídio do ano no Acre. Poderá ser o décimo, dependendo das conclusões de um caso investigado em Tarauacá. O Acre não para de demonstrar ódio às mulheres. Precisamos conversar (e agir) sobre isto.
O suspiro registrado ano passado, quando o Acre ficou com a sexta maior taxa de feminicídio do país, aconteceu apenas por uma questão estatística: os outros estados odiaram mais do que nós. Aos números:
De acordo com o Painel de Acompanhamento do Histórico das Taxas de Indicadores de Violência, oferecido pelo Núcleo de Apoio Técnico do Ministério Público do Acre, o cenário apresenta o seguinte quadro. A taxa guarda relação com grupo para cada 100 mil mulheres acreanas.
Posição do Acre no país Ano Taxa de Feminicídio
3° 2016 3,32
2° 2017 3,04
1° 2018 3,22
2° 2019 2,5
4° 2020 2,68
2° 2021 2,87
5° 2022 2,17
4° 2023 2,29
6° 2024 1,82
X° 2025 ?
Fonte: NAT/Ministério Público do Acre
O “X” da posição em comparação aos outros estados do país e o ponto de interrogação são por conta do editorialista. Repare o leitor que, em 10 anos, o Acre decide consolidar lugar cativo entre os seis primeiros lugares como maior assassino de mulheres. Lembrando: a vítima foi assassinada pelo fato de ser mulher. E a rotina de 2025 não autoriza nenhum tipo de esperança de que o quadro mude. A jovem Ionara da Silva Nazaré já está na estatística abaixo.
Quantidade de vítimas de feminicídio consumado até 27/09/25:
Número de casos por Município:
1 Mâncio Lima
3 Rio Branco
1 Capixaba
1 Senador Guiomard
2 Tarauacá
1 Cruzeiro do Sul
Há outro caso em investigação que pode aumentar o número de feminicídio para 10.
Para o Governo do Estado, é conveniente olhar para a série histórica e observar, de forma genérica, que houve redução na taxa de feminicídio. O olhar oficial se satisfaz com pouco e encontra conveniências para tudo que a retórica possa suportar.
A pergunta que precisamos fazer é: _“onde estamos errando?”_ Quais são os elementos factuais que tornam a reação do poder público tão frágil?
Não adianta o Pelotão Maria da Penha apresentar números que demonstram o aumento no número de denúncias, relacionar isto com o número de mulheres protegidas pela rede de acolhimento e com a garantia da manutenção da vida. Esse é o ciclo óbvio. Necessário, claro. Mas é urgente fazer mais.
Massificou-se a ideia de que a mulher precisa “denunciar”. A ordem é “Não se cale, denuncie”. Essa retórica é importante, mas não abarca o problema todo. A mulher que vive uma rotina de violência (física, sexual, psicológica, patrimonial) está amordaçada pela alma. Não há “X” tatuado na mão que dê jeito.
Repare o leitor em outra situação que demonstra o porquê de ser tão perigoso para uma mulher viver em paz por aqui. A Secretaria de Estado da Mulher é quase um bibelô em uma estrutura de governo manchada de sangue e vergonha.
Não há política transversalizada. Com os dados do MP e do Anuário, a secretária da pasta deveria entrar nos gabinetes da Educação, da Saúde, da Segurança Pública indignada, chorando, plena da boa ira, de lógica e com a pergunta incômoda: “O que você está fazendo para mudar isso, meu colega secretário?”.
A nota pública que a comandante da PM disparou logo após o último feminicídio foi de uma fragilidade que não condiz com o cargo e nem com a gravidade da situação. O feminicídio é o estopim de um ciclo de violência. Do desempenho dos jovens no Ensino Médio ao número de adolescentes grávidas, passando pela exclusão econômica e social, a ciranda é grande.
Ou o Governo do Acre entende esse problema com a complexidade que ele exige, ou as mulheres continuarão a ler cartilhas sobre o assunto como escudo, apontando-o para quem está armado com faca, pistola e opressão. Exigir que uma mulher, nesse ciclo, denuncie a violência municiada com um livrinho colorido é de uma crueldade desumana.