As duas medalhas de Caio Bonfim no Mundial de Atletismo coroam a resiliência de um dos maiores atletas do país. Ele conquistou nesta sexta o ouro nos 20 km e já havia obtido a prata, uma semana antes, na prova de 35 km. Ainda tem no currículo uma prata olímpica e outros dois pódios em Mundiais.
O começo de carreira de Caio Bonfim aconteceu em Sobradinho, onde João Sena iniciou a carreira de professor de educação física. “Onde eu for professor, vai ter atletismo”, disse no começo dos anos 1980. Casou-se com uma das muitas atletas que revelou, Gianetti Sena, e a ajudou a obter o índice olímpico.
Quando ela encerrou a carreira, Caio, o filho deles, chegava à sua primeira Olimpíada. Foram quatro tentativas até a tão sonhada medalha olímpica, de prata, em Paris, no ano passado. Nunca um atleta brasileiro chegou lá depois de tantas tentativas frustradas.
Mas para além do resultado esportivo, Caio derrubou o preconceito contra o esporte no Brasil e deu mais um passo importante para o país conquistar respeito dentro da comunidade da marcha, única prova do atletismo decidida por árbitros. O atleta já havia sobre isso ao ganhar sua medalha olímpica.
“É vencer o preconceito, é chegar nessas provas da América do Sul e: ‘Quem é esse cara? Brasil? Brasil não tem marchador’. Eu tive que conquistar, marchar. Então, rejeição, desacreditado, injustiçado, ouvi muita coisa”, disse na ocasião, com lágrimas nos olhos.
Antes de se apaixonar pela marcha, Caio tentou o que a maioria dos garotos brasileiros tenta: ser jogador de futebol. Mesmo destro, ele desenvolveu bem o pé canhoto e jogava de lateral-esquerdo. Chegou a entrar nas categorias de base do Brasiliense, mas aos 16 anos tomou o caminho que estava na família.
E olha que o preconceito externo estava presente desde o início, representado na forma com a qual era tratado pelos motoristas que costumam passar pelos atletas durante os treinos na rua.
“Quando meu pai me chamou para marchar pela primeira vez, eu fui muito xingado naquele dia. Não é me fazendo de vítima, não, mas minha mãe era marchadora, oito vezes campeã nacional. E eu só comecei com 16 anos. Por quê? Porque era muito difícil ser marchador. No dia em que eu cheguei em casa e falei: ‘Ei, eu quero ser marchador’. Na verdade, eu estava dizendo pra eles: ‘Hoje eu decidi ser xingado sem ter problema’.”
Todo esse percurso levou o brasileiro a ser campeão mundial nesta sexta. Sai de Tóquio com duas medalhas no peito, uma de ouro e uma de prata, ciente de que ainda pode buscar mais coisas no esporte. Aos 34 anos, ele está no auge e sabe que deixará um legado para a modalidade no Brasil.