Foto: Blog do Altino Machado/reprodução
Em uma análise contundente dos recentes dados do Ministério Público do Acre sobre violência doméstica no Acre, que apontam para um aumento de 111% nos registros desde 2021, a ativista Concita Maia, membro do Instituto Mulheres da Amazônia (IMA), do Fórum de Participação Social (FPS), conselheira do Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres (CEDIM) e do Fórum Nacional Permanente de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, além de participante do Levante Feminista contra o Feminicídio, Lesbocídio e Transfeminicídio, classificou o fenômeno como uma “epidemia” sem precedentes. Em entrevista exclusiva, Maia alertou para o crescimento constante dos casos, comparando-o a uma “bola de neve” que ameaça engolir a sociedade acreana.
“Lamentavelmente, esses registros da violência doméstica no Acre não se resumem somente à nossa área geográfica dos territórios acrianos. A violência contra a mulher tem sido, eu considero, uma epidemia. E uma das maiores epidemias dos últimos tempos. Porque ela é um aumento constante. A gente não vê uma redução da violência. É como se fosse uma bola de neve que ela vai aumentando”, afirmou Maia, ao comentar os 3.544 casos registrados de janeiro a julho deste ano pelo Ministério Público do Estado (MP/AC).
Para a ativista, os números não são mera estatística, mas um “espelho de uma realidade” que exige ação imediata, com ênfase na prevenção. “É uma realidade onde nós precisamos trabalhar, mais do que nunca, a prevenção. Temos que fazer uma política pública que trabalha a prevenção, além das medidas de acolhimento, que são os instrumentos capazes de fazer a justiça”, defendeu. Ela propôs medidas concretas, como “ações continuadas de esclarecimentos nas escolas, de formação, criação de grupos com os homens também, grupos reflexivos com os homens que têm um perfil de agressor, para que possam estar em contato com esse seu lado enquanto agressor e podendo dar um novo sentido à sua masculinidade”. Além disso, Maia enfatizou o trabalho contínuo com jovens “para garantir no amanhã a construção de uma outra sociedade, uma sociedade realmente saudável, harmoniosa, justa, uma sociedade de paz, porque o que nós temos hoje é uma sociedade adoecida”.
Raiz do problema, segundo Maia, está no “modelo patriarcal”, que fomenta a dominação e o sentimento de propriedade sobre as mulheres. “Esse modelo patriarcal, esse modelo em que a dominação de um gênero, do gênero masculino sobre o feminino, é uma das grandes causas e equívocos da nossa sociedade, que é uma das raízes da violência, que é uma violência de dominação, de se sentir proprietário, como se a mulher fosse propriedade, porque é isso que o patriarcado faz, faz com que os homens se sintam os donos das vidas das mulheres”, criticou. Ela ligou o agravamento recente à misoginia estimulada em gestões passadas: “No governo passado [gestão de Jair Bolsonaro na presidência da República], nós tivemos um estímulo à misoginia e para a violência. Nós estamos colhendo todo esse semear do ódio que foi na nossa sociedade, que fortaleceu esse sentimento de dominação”.
Maia também destacou a seletividade da violência, que, apesar de “democrática” em afetar todas as classes sociais, vitima de forma desproporcional grupos vulnerabilizados. “Nós temos segmentos que são mais vulnerabilizados e, por isso, mais fragilizados frente às violências e, principalmente, ao feminicídio, que são as mulheres negras, jovens. […] A população LGBTQIA+, as mulheres da periferia, as mulheres indígenas, que sequer constam nas estatísticas das violências contra as mulheres”. Exemplos como feminicídios com “17 facadas” ilustram, para ela, não vingança, mas “muito ódio contra a mulher”.
Embora reconheça o empenho da Secretaria de Políticas para as Mulheres do Acre, Maia cobra inovações: “Embora tenhamos uma secretária de Políticas para as Mulheres atuante, e isso nós não podemos negar que existe um compromisso da gestora, da equipe, da secretaria, no combate à violência, mas não está conseguindo dar a resposta adequada ainda. É preciso nós fazermos o que nunca foi feito, ou seja, é preciso mudar as estratégias”. Suas sugestões incluem campanhas permanentes interiorizadas, delegacias especializadas 24 horas com equipes femininas para evitar a revitimização, reforço na Patrulha Maria da Penha em bairros e ruas de alto risco, e estímulo coletivo às denúncias – “Não precisa eu ser o alvo da violência para eu denunciar”.
A ativista insiste em uma “política de Estado”, independente de governos, com união entre poder público, sociedade civil e movimentos de mulheres. “É preciso a união entre o governo, sociedade civil organizada, os movimentos de mulheres e as várias instâncias da nossa sociedade de direitos humanos, enfim, para que nós realmente possamos, juntos, juntas, juntos, estarmos mudando esse cenário. […] Uma junção de todos e todas nessa empreitada e nesse trabalho de prevenção, de construção de uma nova mentalidade baseada no respeito, no amor e na paz”.
Maia concluiu com um apelo global: em meio a uma “virada planetária”, governos municipais, estaduais e federais devem se comprometer com políticas eficazes, enquanto a sociedade constrói novos valores. “Nós estaremos juntas, juntos, nessa trincheira de luta, de enfrentamento a essa epidemia da violência”.