Foto: Odair Leal/Secom
A condenação pelo Supremo Tribunal Federal de Jair Bolsonaro e dos generais golpistas que o acompanharam, na semana que passou, marca um ponto de inflexão histórico: é como se o Brasil, enfim, se confrontasse com sua própria trajetória marcada por golpes, tentativas de golpes e impunidades chanceladas por anistias que, ao invés de pacificar, alimentaram novos atentados contra a democracia.
O Acre, nesse percurso, apesar de pequeno, esquecido e pobre, sempre demonstrou uma vocação de resistência democrática. Entre 1974 e 1990, quando a ditadura militar ainda mantinha suas amarras políticas e institucionais, o partido da ditadura (ARENA/PDS) foi seguidamente derrotado pelo MDB em quase todas as disputas significativas. Essa tradição histórica é reveladora: apesar das fragilidades sociais e econômicas, nossa sociedade soube rejeitar o autoritarismo.
A condenação de Bolsonaro e dos militares que formaram a organização criminosa para impedir a transição de poder em 2022 foi conduzida dentro das formalidades legais e sustentada por provas abundantes, como demonstraram a Procuradoria-Geral da República e o ministro relator Alexandre de Moraes no STF. Aliás, a intenção golpista era tão explícita que não se escondia nem nos acampamentos bolsonaristas, como o instalado aqui mesmo, em frente ao 61 BIS. Não se tratava de um grupo de descontentes que buscava “um espaço de manifestação”: quem se acampava diante de um quartel do Exército sabia exatamente o que esperava — a intervenção dos militares. Se fosse apenas para “protestar”, o ponto de encontro teria sido a Assembleia Legislativa ou alguma praça no centro da cidade, você não acha?
Realizar um julgamento que responsabiliza militares de alta patente é algo inédito no Brasil. Até aqui, todos os episódios de golpe militar ou de ameaça de golpe terminaram em impunidade: em 1889, quando o imperador foi deposto à força; em 1930, 1937, 1945, 1955, 1961 e 1964, quando rupturas ou tentativas de ruptura foram conduzidas com a liderança de militares. Em nenhuma dessas ocasiões houve responsabilização real. E o resultado sempre foi o mesmo: a impunidade, com ou sem anistia, estimula o próximo crime.
Dessa vez, ao menos por enquanto, a história ensaia outro rumo. O processo conduzido pelo STF mostra que nossas instituições estão amadurecendo. A Polícia Federal atuou de forma exemplar na coleta de provas; a Procuradoria sistematizou e demonstrou a engrenagem criminosa montada por Bolsonaro e seus cúmplices para corroer a democracia por dentro. Era um projeto claro: minar a credibilidade das urnas, atacar o Judiciário, manipular as Forças Armadas, impedir a posse do presidente eleito e, se tudo mais falhasse, recorrer ao caos — bloqueios de estradas, atentados planejados, incitação ao levante popular e, finalmente, a invasão de 8 de janeiro de 2023.
Não foi obra do acaso. A literatura internacional já nos alertava. Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, em “Como as Democracias Morrem”, descrevem como autocratas de extremadireita em países como Hungria, Polônia e, mais recentemente, nos Estados Unidos de Donald Trump, atuam para corroer as instituições democráticas por dentro: atacando a imprensa, desacreditando o sistema eleitoral, ameaçando tribunais, aparelhando forças policiais e militares e cultivando uma base social disposta a legitimar a violência política. O que vimos no Brasil de Bolsonaro se encaixa nesse padrão. Não houve improviso; houve método.
A ousadia dos planos — que incluíam até o assassinato do presidente eleito, do vice e do presidente do TSE — revela a gravidade do momento que atravessamos. E a tentativa apoteótica de golpe em 8 de janeiro, quando prédios-símbolo da República foram invadidos e destruídos, mostrou até onde essa turma estava disposta a ir. Quem participou daquele ato sabia que não se tratava de vandalismo, mas de um esforço calculado para provocar a intervenção militar e restaurar Bolsonaro no poder.
Ao condenar o ex-presidente a mais de 27 anos de prisão, o Supremo Tribunal Federal não apenas fez justiça histórica como alinhou-se ao sentimento majoritário do povo brasileiro. Pesquisa Datafolha divulgada neste domingo, 14, mostrou que 50% da população é favorável à prisão de Bolsonaro, contra 43% que se opõem. No caso da anistia, a situação do bolsonarismo é ainda mais frágil: 54% rejeitam a anistia ao ex-presidente, contra 39% que a apoiam. E, quanto aos demais envolvidos, o resultado é ainda mais emblemático: 61% são contrários à anistia, diante de apenas 33% favoráveis. O recado é cristalino: grande parte da sociedade compreende que atentar contra a democracia é crime, e crime exige punição.
No Acre, para honrar sua tradição de repúdio ao golpismo, cabe à sociedade manter-se vigilante. Políticos que defendem golpe militar não merecem o voto popular. A democracia precisa aprender com sua história: não basta resistir ao autoritarismo, é preciso puni-lo. Só assim se evita que a farsa se repita como tragédia — ou que a tragédia, em nova versão, se torne rotina.