A estiagem que aflige o Acre todos os anos – e se intensifica entre julho e setembro – recebe cores vibrantes e resquícios de vida com a florada dos ipês. A temporada mais seca faz com que essas árvores percam suas folhas e concentrem recursos na produção das flores. É aí que o espetáculo acontece: copas totalmente coloridas, em contraste com a paisagem mais seca da Amazônia ocidental.
Os ipês se destacam tanto pela beleza cênica quanto pelo valor ecológico. São conhecidos pela fase de florescência, quando apresentam cores diversas, dependendo da espécie e do meio ambiente em que se encontram. No Acre, ipês com flores de cor amarelo, roxo, rosa e branco são os mais comuns de serem encontrados.

Foto: Sérgio Vale
O ac24horas conversou com dois especialistas que detalham o ipê. Jeferson Dutra, biólogo, professor e Mestre em Ciências Ambientais, e Thiago Silva, engenheiro florestal especializado em Recuperação de Áreas Degradadas, Mestre em Ciência, Inovação e Tecnologia para a Amazônia e doutorando em Ciências Florestais.
Jeferson Dutra explica: “podemos observar a ocorrência de ipês em todos os biomas brasileiros. Mas eles têm um destaque na nossa Amazônia e, principalmente, no Acre, que apresenta um alto endemismo de ipês”. Segundo o biólogo, algumas espécies somente são encontradas por aqui.
“Nós somos ricos em fauna e flora. O Parque Nacional da Serra do Divisor, por exemplo, é a região com maior biodiversidade de animais do mundo. Isso demonstra o potencial que o Acre tem em relação a fauna e flora. Costumamos realizar pesquisas na Universidade Federal do Acre, sempre descobrindo novas espécies”, afirma Dutra.
Thiago Silva desenvolve, na Universidade Federal de Lavras, pesquisas que englobam estudos em recuperação de áreas degradadas, sementes florestais, fitorremediação e bioquímica do estresse vegetal por poluentes. De acordo com o pesquisador, os ipês são nativos da América do Sul, principalmente no Brasil, que abriga a maior parte das espécies.
“O ipê apresenta grande capacidade de adaptação devido à sua ampla distribuição natural nos trópicos e subtrópicos da América do Sul. No estado do Acre, encontra condições climáticas favoráveis (altas temperaturas, regime pluviométrico elevado e solos variados)”, garante Silva.
Segundo o engenheiro florestal, essas espécies desenvolveram estratégias fisiológicas importantes, como a queda das folhas durante a estação seca. “Isso reduz a perda de água e permite direcionar energia para a floração. A plasticidade ecológica do ipê também explica seu sucesso. Ele pode ocorrer tanto em áreas abertas quanto em florestas mais densas, participando ativamente dos processos de sucessão natural”.

Foto: Sérgio Vale
Biodiversidade
O ipê é uma família bem comum na botânica Bignoniace e possui significativa ocorrência no Acre, uma vez que o estado pertence ao bioma da Amazônia. “Na biologia, a gente tem a fitofisionomia, que lista os tipos de matas (vegetações) existentes. O Acre é rico em diferentes tipos. Isso ajuda a gente ter uma diversidade de espécies dessa família e os Ipês são bem diversos aqui no estado”, pontua Jeferson.
No Acre, algumas das espécies mais frequentes são:

Foto: Sérgio Vale
Handroanthus impetiginosus (ipê-roxo) – bastante apreciado na arborização urbana e frequente em áreas naturais.

Foto: Sérgio Vale
Handroanthus roseoalbus (ipê-branco ou ipê-rosa) – menos frequente, mas encontrado em áreas de floresta aberta e transição.

Foto: Sérgio Vale
Handroanthus serratifolius e H. albus (ipê amarelo) – amplamente distribuído, adapta-se bem a diferentes tipos de solo. Tem folha no formato de serra.
“Essas espécies se destacam tanto pela beleza cênica quanto pelo valor ecológico, pois atraem polinizadores, além de serem importantes para a recomposição florestal”, explica Thiago Silva.
O período com baixa umidade e calor facilita a florada dos ipês. Dentro da flor, há pigmentos botânicos, o cromosplasto. “Esse pigmento chama atenção de polinizadores e a natureza dá esse show que vemos. Tem uma curiosidade sobre o ipê rosa e o branco: eles são a mesma espécie, o que muda é que a árvore varia a tonalidade das flores. Dependendo do período do ano, ou das condições climáticas, será rosa ou branco, mas ambos são do mesmo gênero”.

Foto: Sérgio Vale
A florada no Acre ocorre, geralmente, entre julho e setembro, coincidindo com o período de estiagem na região. Thiago Silva explica que essa sincronia não é por acaso. “O estresse hídrico funciona como gatilho fisiológico, levando a árvore a perder suas folhas e concentrar recursos na produção das flores. É um fenômeno fenológico marcante, em que um grande número de indivíduos floresce de forma quase simultânea. Um mecanismo ecológico que aumenta a eficiência da polinização, pois muitos polinizadores são atraídos ao mesmo tempo”, enfatiza.
As flores surgem, geralmente, após a queda das folhas, o que garante maior visibilidade e facilita o processo reprodutivo. “A queda rápida das flores ocorre porque elas têm curta durabilidade fisiológica, em torno de poucos dias a uma semana, funcionando como um sinal efêmero da reprodução da planta. Essa estratégia, apesar de passageira, é altamente eficaz para garantir a perpetuação da espécie”, conclui Thiago.
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