Programa Bolsa Família • Luis Lima Jr./Fotoarena/Estadão Conteúdo
A construção civil enfrenta um desafio estrutural de atração e retenção de empregados, problema que vai além de conjunturas pontuais. É o que relata Cristiano Gregorius, diretor-executivo do Sienge, ecossistema de análise e soluções tecnológicas para o setor.
“Há um descompasso entre o que o setor exige, como qualificação, esforço físico e rotinas do canteiro de obras e as novas expectativas de carreira”, explica o especialista.
O país vive um cenário de pleno emprego: no trimestre encerrado em julho, o desemprego recuou ao patamar historicamente baixo de 5,8%. Enquanto isso, no acumulado do ano até aquele mês, o país já gerou 1,52 milhão de empregos.
Dados compilados pela CBIC (Câmara Brasileira da Indústria de Construção) mostram que o setor também registra desempenho positivo tanto na geração de postos formais de trabalho quanto no salário médio de admissão — que supera o de outras áreas.
Contudo, especialistas e executivos da construção civil ouvidos pela CNN ainda observam um potencial perdido e dificuldades para acessar novos trabalhadores. A questão está, segundo eles, na competitividade entre os pagamentos gerados pelo trabalho e por benefícios sociais, como o Bolsa Família.
“Há um efeito negativo na participação da força de trabalho: as pessoas têm mais medo de perder uma coisa do que vontade de ganhar alguma coisa. Se você pega um trabalho e, mesmo que sua condição seja melhor do que recebendo Bolsa Família, não sabe como vai ser sua situação em 2 ou 3 anos”, exemplifica Daniel Duque, pesquisador associado do FGV-Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
O economista cita a falta de segurança com a rotatividade de um mercado de trabalho volátil como um dos empecilhos que levam o beneficiário a evitar voltar ao mercado de trabalho.
Em maio, o governo fez uma primeira tentativa de flexibilizar o programa social, permitindo às famílias que ultrapassem o limite de renda para entrada no Bolsa Família — de R$ 218 por pessoa —, mas cuja renda se mantém em até R$ 706, seguirem no programa por mais 12 meses.
Nesse caso, porém, os beneficiários receberão 50% do valor do benefício a que têm direito. E é nessa perda rápida do benefício em que Duque vê a insegurança do beneficiário disparar.
Em 12 estados do Norte e Nordeste, o número de famílias beneficiárias do Bolsa Família ainda supera o de trabalhadores com carteira assinada, aponta levantamento do Hub do Investidor com base em dados do Ministério do Desenvolvimento Social e do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).
“Eu acredito que existe, sim, uma correlação. Quando o benefício saltou para R$ 600 durante a pandemia, quase três vezes o valor anterior, ficou claro que a proporção de famílias atendidas em relação aos empregos formais se alterou. Antes, esse quadro se restringia a seis ou sete estados; depois, passou para doze e nunca mais voltou atrás”, ressalta Jayme Simão, sócio fundador do Hub do Investidor.
“Ao olhar para regiões menos pobres, como Santa Catarina, vejo o contraste: para cada família beneficiada, existem 11 vínculos CLT. Já no Norte e Nordeste, a relação se inverte. Para mim, isso sugere que o peso do programa pode, de fato, influenciar a dinâmica do mercado de trabalho”, pontua.
Mesmo a versão reformulada do programa desestimula a participação na força de trabalho de homens jovens, especialmente no Norte e no Nordeste, segundo estudo do FGV Ibre.
O perfil bate com quem é de interesse para a indústria da construção, observa Duque.
“Homens jovens são a maior parte da mão de obra da construção civil, não me surpreenderia se fosse um setor mais particularmente afetado em relação aos demais.”
“A gente é a favor do Bolsa Família, quem tem o mínimo de bom senso sabe que as pessoas necessitadas precisam ter. Porém, está descalibrado, foi usado como uma gangorra eleitoral, levando a uma série de disfunções”, avalia André Bahia, empresário especializado em construção de baixa renda e diretor institucional do FNNIC (Fórum Norte-Nordeste da Indústria da Construção).
Para André Bahia, da forma como está desenhado atualmente, o programa “gera a sensação de pleno emprego que não é; as pessoas estão vivendo de Bolsa Família e deixando de buscar trabalho, e o setor que mais sofre é a construção civil”.
Luiz França, presidente da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), acrescenta que a tendência de informalidade que vem sendo promovida no mercado de trabalho afasta o jovem do setor.
“Essas novas formas de trabalho, essa flexibilidade, essa informalidade atrai muita gente. No entanto, a informalidade é ruim para a pessoa e para o país, o trabalho formal protege uma classe de trabalhadores quando deixarem de trabalhar”, reforça.
Desse modo, Bahia e França defendem o projeto de lei que permite o “desmame” do Bolsa Família enquanto incentiva a busca do emprego formal. A proposta é do deputado federal Pauderney Avelino (União-AM).
“Exatamente por conta dessa dificuldade de mão de obra, sobretudo na construção civil, apresentamos a proposta da pessoa que recebe Bolsa Família permanecer recebendo integral no primeiro ano. E se a pessoa perder o emprego, ela volta para o Bolsa Família integral”, afirma Avelino à CNN.
“Isso é uma forma que nós encontramos de viabilizar, de incentivar as pessoas que recebem o Bolsa Família de buscarem a formalização”, complementa o deputado.
A ideia é que, a cada ano, após a contratação, o benefício ser reduzido de 20 em 20 pontos percentuais, até ser zerado no quinto ano.