Foto: Whidy Melo/ac24horas
Em um relato profundamente emocionante, Maria (pseudônimo), ex-funcionária da Contax em Rio Branco, revelou ao ac24horas, nesta sexta-feira, 12, em uma entrevista exclusiva, o colapso emocional causado por boatos e uma exposição pública que destruíram sua vida. Acompanhada de seu advogado, Acelon Dias, ela compartilhou o impacto devastador de um vídeo gravado no estacionamento da empresa, em julho, que teria sido distorcido por colegas de trabalho e amplificado nas redes sociais, culminando no suicídio de seu esposo e em um linchamento virtual que a deixou sem chão.
Maria, natural de Cruzeiro do Sul, mãe de duas filhas de 11 e 1 ano, e servidora pública antes de ingressar na Contax, descreveu o dia do incidente como o início de um “pesadelo sem fim”. O episódio envolveu a gravação de um vídeo no estacionamento da empresa, onde ela foi filmada dentro de um carro. As imagens, disseminadas por colegas, traziam um contexto narrativo que sugeria que ela praticava sexo oral, o que Maria nega com veemência: “Não aconteceu. O que foi vinculado não é a verdade”, disse. Apesar da negativa, ela opta por não comentar o que ocorria dentro do carro no momento do “flagrante” nem revelar a identidade do homem que a acompanhava, reforçando que o foco da questão está na exposição indevida e nas consequências trágicas.
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O momento em que teria sido coagida a sair do carro por um funcionário da empresa, que sabia quem ela era, marcou o início de sua humilhação. “Ele bateu no vidro, mandou eu sair, sabendo que havia pessoas olhando e filmando lá em cima, na operação. Eu não imaginava que tinha tanta gente com celulares”, relatou, com a voz carregada. Ao subir para o setor onde trabalhava, enfrentou risadas, comentários jocosos e uma exposição imediata. “Pedi: ‘Não me exponha, por favor’. Mas eles continuaram. Todo mundo já sabia, e as pessoas que me conheciam, que viam minha conduta, espalharam o boato.”
A traição de colegas que conviveram com ela por três anos na Contax foi devastadora. “Eu me senti um lixo. Pessoas que sabiam quem eu era, que viam minha conduta todos os dias, riram, julgaram, espalharam. Isso dói mais do que comentários de estranhos”, desabafou. Maria, que se descrevia como “alegre, extrovertida, amiga”, diz que essa pessoa “não existe mais”. “Parte de mim foi junto naquele dia. Não durmo, não sei quando dormi. É como se eu fosse acordar e isso passasse, mas não passa”, confessou em lágrimas.
A Contax, segundo Maria, não ofereceu suporte. Coagida a pedir demissão, ela não recebeu direitos trabalhistas ou apoio psicológico. “Fui pressionada a sair. A empresa não me deu nada, nem depois do suicídio. A única mensagem da gerência veio tarde, perguntando se eu precisava de algo”, criticou. O gerente de operações, Bento Laureano, informou em julho que a empresa tratou o caso como “boato” e não realizou investigação de compliance, já que Maria pediu demissão. “É como se eu não existisse após sair da empresa”, lamentou.
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A disseminação do vídeo em grupos de WhatsApp e redes sociais sem a censura ou, intensificou o sofrimento. O vídeo chegou ao conhecimento de seu esposo, com quem mantinha um relacionamento fechado de quase 16 anos. “Ele viu a matéria, ficou na dúvida, mas pessoas próximas confirmaram que era eu. Eu fui pressionada a contar a verdade, mas o problema foi a exposição, não o que aconteceu”, explicou Maria, que optou por não comentar detalhes sobre a reação do esposo, pois “ele não está aqui para se defender.”
O suicídio de seu esposo foi o golpe mais duro. “A exposição em jornais, incluindo uma versão menos embaçada que permitiu minha identificação, agravou tudo. Ouso dizer que, sem isso, talvez não tivesse acontecido”, afirmou, com a voz embargada. Maria tentou suicídio após a divulgação, consumida por culpa e vergonha. “Eu não comia, não fazia nada, só chorava. Me sentia vulnerável, como se uma bomba pudesse explodir a qualquer momento.” Sua filha de 11 anos, que acessa redes sociais, também foi impactada. “Ela sabe de tudo, vê os comentários, está revoltada. Não dormimos, precisamos de acompanhamento psicológico e psiquiátrico”, revelou.
Com o apoio do advogado, Maria ingressou com ações judiciais contra a Contax e cinco indivíduos, identificados por uma investigação da Polícia Civil que apura as responsabilidades pela gravação e disseminação do vídeo. “A Polícia Civil está investigando os comentários em redes sociais, grupos de WhatsApp e os depoimentos que apontam quem gravou e compartilhou o vídeo. Essas pessoas foram identificadas, e a investigação criminal segue em andamento para determinar as responsabilidades”, explicou Dias. As ações, que somam cerca de R$ 200 mil em pedidos de indenização por danos morais, visam reparar os prejuízos causados pela difamação, pela quebra de confiança e pela tragédia familiar.
Foto: Whidy Melo/ac24horas
Dias destaca a falha da empresa em seguir suas políticas de compliance e o papel das redes sociais na amplificação do boato. “A Contax tem regras rígidas sobre uso de celular, que não foram respeitadas. A empresa permitiu a disseminação de boatos por funcionários, o que causou danos irreparáveis”, afirmou. Ele também apontou a misoginia no caso, já que Maria foi o principal alvo, enquanto o homem no carro não sofreu exposição. “O tratamento foi diferenciado. Ela sofreu consequências devastadoras, enquanto a outra pessoa não foi sequer mencionada.”
Maria diz enfrentar ameaças constantes, sendo chamada de “assassina” em áudios e mensagens, o que a levou a abandonar as redes sociais. “Não tenho mais vida social, nada. Só quero criar meus filhos”, disse. Sua indignação é alimentada pela sensação de injustiça. “Quero que as pessoas saibam que, quando você grava e expõe alguém, você é responsável pelo que acontece. A culpa do suicídio não é minha. Eu não gravei, não expus. Tenho minha parcela de erro, mas a exposição não foi minha”, declarou.
Foto: Whidy Melo/ac24horas
O advogado reforça a necessidade de cuidado com boatos. “As redes sociais não são terra sem lei. A investigação da Polícia Civil está apurando quem gravou, compartilhou e fez comentários jocosos. Um boato imputou a Maria um crime que não aconteceu, e isso gerou uma tragédia”, destacou Dias. Maria espera que sua história sirva de alerta. “O ser humano não está nem aí para ninguém. Quando você vincula algo a alguém, você é responsável pelo que acontece”, enfatizou.
Hoje, Maria tenta sustentar suas filhas com um emprego como servidora pública, que não cobre todas as suas necessidades. “Quero permanecer de pé, criar meus filhos e que a justiça seja feita para que outros não passem por isso. Isso deixa marcas para sempre”, afirmou. O único apoio vem de sua mãe, pai e irmãs, enquanto ela luta para proteger suas filhas das cicatrizes de uma exposição que transformou sua vida em um “pesadelo sem fim.”