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Assédio Moral: o “cavalo-do-cão” e o coice de volta

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Editorial ac24horas

Assédio Moral. O assunto encheu páginas e tempo de leitores acreanos nas últimas semanas. O tema precisa ser melhor explicado para que não se incorra em associações indevidas e interpretações tendenciosas.


No caso específico do Acre, é preciso fulanizar o debate para que, pelo exemplo, o conceito fique mais claro. Nos episódios envolvendo o presidente da autarquia municipal RBTrans, Clendes Vilas Boas, há nuances que agravaram a cena de forma equivocada. Muitas manchetes e muitas legendas de fotos falavam apenas no substantivo “Assédio”, sem discriminar qual tipo de assédio o gestor estava sendo acusado.


Pelos vídeos das denunciantes e pelos relatos dos servidores na Câmara de Vereadores, ficou claro que não se tratava de “assédio sexual”. Clendes Vilas Boas estava sendo acusado de assédio moral. Talvez, a falta desse detalhamento tenha agravado a cena envolvendo “o Vilas”. Na coletiva, o choro e a fala de que se tratava de “um homem de família” sugere que o próprio Vilas estava confuso sobre o que estava sendo acusado. Mas, afinal, o que é “assédio moral” que tanta polêmica tem gerado?


Primeiro, é preciso lembrar que esse tipo de situação, sendo motivo de crises e polêmicas no campo do comportamento, indica avanço significativo nas relações humanas, no trato social. Em outros tempos, eram comuns (e como eram!) casos de assédio moral cometidos com balconistas no comércio varejistas de Rio Branco. Jovens (meninas ou meninos) que cometiam algum equívoco no trato com o cliente eram humilhados na frente de todos pelo patrão sem nenhuma cerimônia.


Isso acontecia não apenas uma ou duas vezes. Eram sistemáticas as humilhações. Eram duros os xingamentos. A dor era curada, quase sempre, com choro sufocado atrás de grades de refrigerantes ou nos depósitos, protegidos por paredes de caixas de papelão.


E dessa forma foi se moldando uma geração de trabalhadores que normalizou a injustiça e o desequilíbrio. Talvez não houvesse outra forma de reagir porque a própria sociedade era permissiva. Tinha como anedótico o comportamento de alguns patrões. O desrespeito e a falta de trato já faziam parte da crônica urbana. “Fulano de Tal não tem jeito, não! Oh… homem grosso!”. E ficava por isso mesmo. O comércio varejista era, sem exagero, o segmento da economia local em que mais aconteciam esses casos. O pior é quando o trabalhador incorpora o método de tal forma que entende que passar por aquela humilhação “é uma forma de aprender”.


O problema é que o que antes era anedótico foi perdendo a graça. E a sociedade, antes permissiva, agora vê com estranhamento o que passou a se chamar de “assédio moral”. Antes de se aventurar nos aspectos jurídicos, o editorialista precisa fazer uma diferenciação.
Uma coisa é o “assédio moral”; outra bem diferente é a tentativa das chefias e do patronato mais cuidadoso em querer resultados com qualidade dos trabalhos oferecidos. Todo patrão, todo chefe de departamento, todo coordenador quer resultados rápidos e de boa qualidade. Normalmente, isso é consequência de investimentos em treinamentos, em condições de trabalho satisfatórias, de repetição da tarefa e, claro, de tempo. Exigir boa qualidade do trabalho não é o problema. O gargalo está na forma e onde fazer isto.


Feita essa ressalva, é preciso ousar tratar dos aspectos jurídicos. É crime? Quem lida com o Direito assegura que ainda não há tipificação específica sobre assédio moral. A prática, no entanto, pode ser associada a crimes já tipificados no Código Civil. Por exemplo: contra honra, calúnia, injúria e difamação. Nos casos mais graves, a prática pode configurar crime de ameaça e até lesões corporais se for o caso de agressão física. Mas há projeto de lei no Congresso Nacional querendo tipificar a prática, embora no Código Civil o trate como “ato ilícito”.


O assédio moral precisa, necessariamente, ser algo feito de forma sistemática, repetitiva, constante, regular, de maneira que a pessoa subordinada à autoridade hierárquica no ambiente de trabalho se sinta humilhada, com autoestima amassada diante da atuação da chefia. O trabalhador (ou servidor) se sente tão incapaz que se isola. E o chefe (coordenador, diretor, presidente), mesmo observando esse isolamento, ao invés de tentar resolver, estimula, relacionando-o à suposta inoperância do trabalhador. É o chefe “cavalo-do-cão”. O diabo é que uma hora ou outra o coice volta. Por isso, é que se faz necessária legislação sobre o tema.


As empresas maiores, para se resguardar, devem criar uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (Cipa). É prudente. E não custa nada lembrar: lidera processos quem tem equilíbrio. O empresário precisa atentar para isto: evita custos com a Justiça do Trabalho e desgastes desnecessários.


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