Em Bom Jesus da Baixa da Ema todo ano há a festa de caça aos pássaros. Passarinhos para as gaiolas coloridas, ricamente manufaturadas pelas gorduchas e rosadas mãos das senhoras em gravetos de palmeiras bem retinhos e hastes de bambu branquinho que só. Um luxo de ver e de adquirir a bom valor. Já os pássaros grandes, esses sim são para o abate durante os torneios de caça que tradicionalmente participa todo o povo e seus convivas, notadamente os viris machos e seus filhotes, cidadãos bom-jesuenses da baixa da égua.
Assim, dezenas de centenas de galinhas, patos, capotes (a famosa e indefectível galinha-d’angola) paturis. gansos, perus, enfim aves robustas especiais para grandes manjares são sacrificadas em comemoração à fundação da pequena cidade socada nos confins desse Brasil de Deus Todo Poderoso. Tem também uma grande plantação de cana-de-açúcar, ali na serra da Baixa da Ema. Sim, tem alambiques lá. Têm muitos alambiques naquele lugar.
Sempre aparece muito turista ali, nessa época do ano. Como é sabido, é o momento de se extravasar, de se divertir e obter também, para comerciantes e os mais aplicados em práticas diletantes muito lucro com a locação de pousadas, quartos, terrenos para o camping e vendas de pratos extraordinários da cozinha do lugarejo, que situa-se ao pé da maravilhosa Serra do Vai-quem-quer. Nas noites de eventos, mesmo com o movimento extra a paz nunca é quebrada. É assim como é o ano inteiro.
Raramente ocorre um ou dois entreveros mas, nada que a ordem local estabelecida, não contorne, estanque e mantenha a paz. Porém, nesse dia, justamente no dia em que eu sucumbi ao apelo anual de meu amigo de fazeora, Dom José Adelson de Campos do Jordão ocorreu uma discórdia. Teve uma briga e, como eu havia dito, mal começou já se acabou. Foi tudo muito rápido, num flash. Um tiro.
– Que tiro foi esse? Ó, lá! Ó, lá! Ó, lá! Tem um corpo caído no chão!
– Disse eu, apavorado.
– Impossível! Aqui não se atira em gente, só em ave. Em pombo vá lá, mas em ser humano não! Aqui num é morro, aqui é serra! – Disse Zé de Adelson – Bora lá, ver de perto.
Nesse interim, começa a aparecer gente ao redor do tal corpo. Centenas de perguntas, milhares de respostas, nenhuma solução.
– Quem é?
– Gedalía, maninho! É Gedalía!
– Pelamordedeus! Mataram o prefeito Zé Galinha!
– O Zé Galinha? O Zé Galinha? É isso mesmo?
– Chama a mulher dele, delegada Inês Corpulosa!
– Inês Corpulosa já tá lá, bestão! Foi ela que atirou!
– Olha lá, tá se mexendo! Repara! Se levantou… É muita presepada mesmo!
Foi apenas mais uma aprontação do prefeito Zé Galinha, que num é prefeito nem nada, mas gerente e guardião do terreno onde havia um campinho pra molecada jogar futebol, naquele rincão abençoado. E também não foi tiro nenhum e sim um rojão que os dois abestalhados, ele e sua Inês Corpulosa estavam teimando pra ver quem iria soltar. E assim foi um dia maravilhoso junto da natureza, num lugar onde só se atira em aves e nem sempre é para matar.