Por Marcelo Feitosa Zamora, advogado
Poucas forças em uma democracia são tão importantes quanto a imprensa livre. É ela quem ilumina os cantos escuros da sociedade, revela abusos, pressiona instituições e provoca mudanças. Mas esse poder deve andar de mãos dadas com a responsabilidade. A Constituição garante liberdade de expressão, mas também impõe limites claros para evitar calúnia, difamação e manipulação da opinião pública com fakenews.
O caso Felca: adultização infantil e mobilização nacional
Na última semana, o influenciador digital Felca publicou um vídeo que viralizou, denunciando a prática da “adultização” de crianças em redes sociais. Trata-se da exposição precoce de menores em situações sexualizadas — muitas vezes estimulada por pais, familiares ou terceiros —, com o objetivo de atrair curtidas, seguidores e lucros.
O vídeo alcançou milhões de pessoas, foi amplamente divulgado pela imprensa e gerou reação institucional imediata. No Senado, 64 dos 81 senadores assinaram o pedido para a criação de uma CPI da Adultização, que aguarda leitura pelo presidente Davi Alcolumbre. Na Câmara, foi convocada uma comissão geral para 20 de agosto, a fim de consolidar propostas legislativas sobre o tema. O debate deve girar em torno do PL 2.628/22, que já havia sido aprovado no Senado e agora ganha força, incluindo mecanismos para verificar a idade dos usuários em plataformas digitais.
O impacto não parou aí. A imprensa destacou ainda os números alarmantes do Tribunal de Justiça de São Paulo: em 2016 foram 36 casos registrados de exploração sexual infantil; em 2024, esse número saltou para 105. Somente em 2025, até julho, já foram abertos 95 processos, tendência que aponta para um recorde histórico. Como destacou o advogado Ariel de Castro Alves, membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB, esses números ainda representam apenas “a ponta do iceberg”, já que a maioria dos casos sequer chega às autoridades.
Esse é um exemplo claro: sem a imprensa repercutindo a denúncia de Felca, esse tema provavelmente seguiria invisível.
O caso Hytalo e a responsabilização digital
No mesmo contexto, a imprensa também revelou a operação policial que investiga o influenciador Hytalo Santos, por, supostamente, expor crianças e adolescentes em conteúdos digitais para obter engajamento e lucro. A cobertura do caso levantou discussões jurídicas sobre responsabilidade penal de influenciadores e pais, além de reforçar a urgência de uma legislação moderna para o ambiente digital.
Essas narrativas mostraram à sociedade algo que juristas já sabem: o direito precisa correr atrás da realidade, e muitas vezes é a imprensa quem dá o sinal de partida.
O caso Escola Limoeiro no Acre
Aqui no Acre, também tivemos um exemplo marcante. No dia 8 de junho, o Fantástico exibiu reportagem sobre a Escola Limoeiro, no município de Bujari, a poucos quilômetros de Rio Branco. A matéria revelou que crianças tinham aulas em um antigo curral, sem paredes, sem piso, sem banheiro e sem água encanada. A única professora, além de lecionar, preparava a merenda e contava com a ajuda dos próprios alunos para lavar a louça.
A denúncia, exibida em rede nacional, gerou repercussão imediata. O Ministério Público de Contas ingressou com representação, e o Tribunal de Contas do Estado (TCE/AC) abriu um processo. A decisão da presidente do TCE/AC foi drástica: afastou cautelarmente o secretário de Educação por 30 dias, determinou inspeção extraordinária nas escolas rurais e notificou o governador, o
Ministério Público do Trabalho, o Conselho Tutelar e a Assembleia Legislativa.
Correta ou não, a decisão surtiu efeito positivo imediato. Em pouco tempo, foi firmado termo de ajustamento consensual e iniciadas reformas na escola. Mais do que a medida em si, o episódio mostrou que a pressão pública gerada pela imprensa foi o gatilho para que instituições de controle agissem.
Conclusão
Os dois casos — Felca e Escola Limoeiro — mostram que a imprensa não apenas informa: ela pressiona. Ela dá voz à sociedade, força o Estado a responder e ativa mecanismos que, muitas vezes, permanecem adormecidos. É o que cientistas políticos chamam de accountability societal, ou seja, o controle social exercido pela opinião pública e pela mídia sobre as instituições. Mas é preciso sublinhar: a imprensa não é tribunal. Ela deve apurar com rigor, ouvir todos os lados e respeitar a presunção de inocência.
O vídeo de Felca e a reportagem da Escola Limoeiro são exemplos de como a imprensa livre pode transformar indignação em ação. Sem ela, crianças continuariam sendo exploradas nas redes sociais sem qualquer debate público e alunos acreanos seguiriam estudando em condições desumanas.
A imprensa livre é, portanto, um pilar da democracia.