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A Década Decisiva da Amazônia

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Por Cesário Braga


A Amazônia entra na próxima década diante de oportunidades históricas que podem redefinir seu papel no Brasil e no mundo. Pela primeira vez, três movimentos de enorme impacto econômico convergem no mesmo horizonte: a exploração do petróleo na foz do Amazonas, a corrida pelas terras raras e a construção da ferrovia transoceânica que cortará o Brasil e integrará Rondônia e Acre ao Pacífico. Esses acontecimentos, se conduzidos com visão estratégica, podem transformar a região em protagonista de uma nova etapa do desenvolvimento nacional. Mas, se entregues à lógica imediatista, corremos o risco de repetir o ciclo de riquezas (como os ciclos da borracha) que vêm e vão, deixando a população local na mesma pobreza de sempre.


O petróleo é o primeiro ponto desse debate. A margem equatorial, onde está a foz do Amazonas, pode se tornar uma das grandes fronteiras de exploração do mundo. A Petrobras já planeja abrir poços na região, mas ainda enfrenta resistências. Na minha opinião, o Brasil já está atrasado nesse processo: enquanto outras nações avançam rapidamente, seguimos paralisados em discussões que adiam o aproveitamento de nossas riquezas. A Petrobras já provou, com décadas de experiência, que possui tecnologia e responsabilidade suficientes para explorar sem riscos ambientais. O dilema agora é de estratégia: os royalties servirão apenas para inflar orçamentos correntes ou serão alavanca de um projeto de futuro? Defendo que esses recursos sustentem um fundo amazônico de desenvolvimento regional, que funcione como uma política de renda permanente. Um fundo que pague preço justo aos produtos extrativistas — borracha, castanha, óleos, resinas — e fortaleça a agricultura familiar. Isso significaria transformar a riqueza do subsolo em uma rede de proteção e valorização do trabalho de quem mantém verdadeiramente a floresta viva.


O segundo eixo é o das terras raras. Poucos percebem, mas esse tema está no centro da disputa global entre Estados Unidos e China. Sem esses minerais, não há semicondutores, baterias, turbinas eólicas, veículos elétricos ou mesmo satélites. Hoje, a China concentra mais de 60% da produção mundial. O Brasil aparece com cerca de 18% das reservas conhecidas, e grande parte desse potencial está na Amazônia. Estimativas indicam que apenas a exploração organizada de terras raras poderia movimentar dezenas de bilhões de dólares ao longo da próxima década. Isso coloca a região no radar das cadeias globais de inovação. Mas a oportunidade não está em exportar minério bruto: está em atrair indústrias de refino e desenvolver polos tecnológicos capazes de transformar esses minerais em produtos de alto valor agregado. O desafio é romper com o destino colonial (exportação de minérios brutos) e inserir a Amazônia como protagonista da economia da tecnologia.


O terceiro movimento é a ferrovia transoceânica que cortará o Brasil e integrará Rondônia, Acre e consequentemente a Amazônia ao porto de Chancay no Peru. Essa integração direta com o Pacífico será talvez a obra mais transformadora da logística amazônica no século XXI. Hoje, a produção da fronteira agrícola do Acre, Rondônia, do sul do Amazonas e Pará, percorre milhares de quilômetros até os portos do Atlântico, para depois seguir, muitas vezes, para a Ásia via Canal do Panamá. O custo logístico é tão elevado que compromete a competitividade de toda a região. A ferrovia muda esse jogo: encurta a distância até o Pacífico, reduz custos, abre mercados e conecta a Amazônia de forma direta ao comércio global. Mas, para que esse impacto não se restrinja ao agronegócio de larga escala, é preciso assegurar que a agricultura familiar esteja integrada ao eixo ferroviário. Isso passa por uma reforma agrária planejada ao longo da ferrovia, garantindo que os pequenos produtores também possam escoar sua produção com a mesma eficiência. Assim, a ferrovia não será apenas um corredor de grãos, mas um motor de inclusão produtiva.


Esses três eixos — petróleo, terras raras e ferrovia — mostram que a Amazônia está diante de uma década decisiva. Eles podem inaugurar uma era de prosperidade, com a região se afirmando como centro energético, tecnológico e logístico do Brasil. Ou podem repetir o enredo conhecido: grandes projetos, grandes promessas, mas pouca mudança real para quem mora aqui. O destino da Amazônia não está apenas nas reservas de petróleo, nos minérios estratégicos ou nos trilhos que ligam ao Pacífico. Está em como escolhemos transformar essas riquezas em bem-estar para o seu povo, especialmente para os extrativistas e agricultores familiares.


Nas próximas semanas, vamos destrinchar cada um desses assuntos em artigos específicos, mergulhando em detalhes e impactos de cada eixo. O petróleo, as terras raras e a ferrovia serão analisados separadamente, preparando o debate sobre o que isso significará, em particular, para o Acre.


Superintendente Federal do Ministério do Desenvolvimento Agrário no Acre.


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