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A informalidade, o desalento e o sorriso sem sentido

Por
Editorial ac24horas

Há um drama escondido nos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua Trimestral (PNAD Contínua) apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Caso o leitor passe os olhos muito rapidamente, não perceberá o problema.


No material de divulgação da PNAD Contínua, o dado está lá: “Entre os empregados do setor privado acreano, 58,2% possuíam carteira assinada, índice inferior à média nacional de 74,2% e que coloca o estado na 20ª posição no ranking”.


Vamos observar com calma, cuidadoso leitor. De qual tipo de trabalhador está se falando? Do setor público? Não! A oração restritiva é clara: “(…) Entre os empregados do setor privado acreano…”. Opa! Então, a cena diz respeito àquele profissional com patrão, cobrança e o rico salário no fim do mês. Qual a informação é oferecida na sequência?


Ao texto: “(…) Entre os empregados do setor privado acreano, 58,2% possuíam carteira assinada, índice inferior à média nacional de 74,2%”.


Percebeu o drama? De cada 10 trabalhadores da iniciativa privada do Acre, mais do que 4 não têm nenhum tipo de relação trabalhista. É um trabalhador que trabalha pensando apenas no que vai receber este mês, sem nenhuma garantia. É um trabalho sem sustentabilidade.


Há muitas razões para que isso ocorra: transitam da baixa qualificação do próprio profissional, passando pela instabilidade da economia da região até chegar à falta de estrutura das micro e pequenas empresas (as que mais empregam). É um cenário quase desesperador. Não seria exagero lembrar que a maioria dessas empresas é formada pelo segmento “comércio varejista”. O Acre não está na 20ª posição no ranking à toa.


O próprio IBGE constatou na PNAD Contínua que o número de desalentados no Acre alcançou 5,8% da população local. Classificam-se como “desalentadas” as pessoas que desistiram de procurar emprego, ou por falta de oportunidades, ou porque entendem que o emprego à disposição não é adequado. A média nacional de desalento está em 2,5%.


Geralmente, os patrões olham os números do “desalento” com certa desconfiança. Adeptos da “meritocracia”, ou da ideia de vitória dita na expressão inglesa “self made man” (o homem que se faz por si, em tradução de boteco), observam com estranhamento a informação do conceito de “desalentados”.


Fato é que esses trabalhadores têm responsabilidades a cumprir. Precisam gerar renda de alguma forma. No Acre, geralmente, essas pessoas partem para alguma atividade comercial. Vendendo perfumes ou quibes com tapioca e café nas calçadas, com alguma insistência, em algum tempo, podem já estar precisando do apoio de algum ajudante, “contratado” sem carteira assinada. É o ciclo.
A taxa de informalidade no Acre está calculada pela PNAD Contínua em 46,6%. É alta. Muito acima da média nacional, registrada em 37,8%. O Acre tem a 12ª maior taxa de informalidade entre os estados.


Tendo esse cenário como referência, o leitor pode estranhar: como é que em um contexto deste, Rio Branco tenha tantos carros luxuosos (mesmo que de gosto duvidoso)? O consumo _per capita_ de produtos caros, galerias refinadas… como é possível? Bom… a concentração de renda não é bem o foco específico da PNAD Contínua. Isso seria objeto de outro editorial. Por enquanto, é bom observar o que embalou a alegria do governo nesta semana: a PNAD Contínua registrou redução do desemprego no Acre no segundo trimestre de 2025: de 8,2% para 7,3%. Isso foi suficiente para o sorriso oficial. Sorriso este que não aguenta cinco minutos de caminhada pelo centro de Rio Branco.


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