Professor linha dura

Por
Francisco Braga

É culpa tua se alguém que você não convidou e nem quem ver, de repente, de madrugada aparece na porta, gritando teu nome e acordando a vizinhança?


É não, mas que tu vai ser culpado disso vai.


Pois isso aconteceu comigo. Naquele tempo os alunos com mais de dezoito anos já podiam fumar até durante a aula do Merêncio, professor de Geografia, um dos caras mais mau humorados do mundo, grosso e mau encarado, não dava mole para ninguém. A qualquer instante um gaiato que espirrou era expulso da sala e encaminhado à diretoria e com ponto negativo na nota final. O bicho era foda, o Merêncio professor também OSPB.


Eu sempre sentava na última cadeira encostada ao janelão que dava para a entrada da quadra de alambrados, do Colégio Estadual Professor Joaquim Albano. Sentava lá, com os colega fumantes, pra poder não empestiar demais a sala de fumaça e poder, de uma petelecada só, rebolar a bagana lá longe. Gostava demais das aulas do Merêncio. Eu sabia decoradas todas as capitais dos estados brasileiros, de centenas de países. Tinha mapa mundi em casa, tinha Atlas e globo de mesa… Eu era nota dez na matéria.


O professor desafiou a turma para quem fosse à lousa e desse a capital de dez países e dez estados brasileiros que lá estavam escritos a giz, valendo ponto na prova final. Eu fui e acertei todas, a classe aplaudiu, o Merêncio quase que deu um sorriso e – Pasme! – me parabenizou. Me deu a nota e fui pro meu lugar, perto do janelão, onde havia deixado meu cigarro aceso, dei a última tragada e, no sopro da baforada petelequei a bagana fedorenta no rumo da quadra.


A Ana Paula era uma magrelinha do vôleibol, uma coleguinha da turma dos esportes. Eu era do handbol. A Ana, vulgo Ana Sebosa era doida por mim. Pegava no pé, era uma mala-sem-alça. Era sebosa, Tirava meleca e comia, roía as unhas, blusa rasgada, descabelada e, por ser gasguita, também era chamada de “Periquito Australiano”. “Eita! Se lascou, Braga! Lá vem a Periquito Australiano falar contigo”, disse o Carlinhos ao meu ouvido, de modo que não escutasse Merêncio. A classe estava em silêncio.


Quando me viu na janela, atirando a bagana no espaço, de lá da quadra ela correu, pulou a mureta, se dependurou na janela gritando: “Vem pra quadra, Braguiiinhaaa!”. A voz estardalhássica ecou pela sala, todo mundo olhou pra trás, todo mundo olhou pra mim!


Com o braço em estado catatônico, hirto no rumo de fora da sala, pelo janelão, eu girei o pescoço no rumo da lousa esverdeada e vi os olhos avermelhados do Merêncio, que grunhiu entre dentes: “Vai! Vai jogar teu futuro fora, vai!” e me expulsou da sala e, na prova final eu tirei dez, mas ele tirou o ponto que havia me dado.


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Francisco Braga