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Naquela manhã de domingo, no verão de 1941, Sebastião Avelino caminhou até o barracão para acertar as contas com o patrão. Com o coração pesado, ele sonhava em retornar à sua terra natal, Fortaleza, no Ceará. A família havia se mudado para o Acre atraída pelas promessas de riqueza com o látex, mas a dura realidade do seringal logo se revelou.
A tragédia se abateu sobre eles quando sua esposa morreu após ser picada por uma cobra pico-de-jaca poucos meses depois de ter chegado, deixando-o viúvo e com três filhas e um filho para criar sozinho.
A família empreendeu uma longa e árdua jornada, partindo de Recife e passando por Belém, Manaus, Lábrea, Boca do Acre, Rio Branco e Xapuri, até chegar ao seringal no Alto Acre.
No entanto, o que parecia um caminho para a prosperidade se revelou um calvário. Em apenas um ano, o sonho da terra prometida se desfez tragicamente. A morte da esposa, sepultada às margens do rio, foi um golpe brutal para Sebastião e seus filhos, deixando-os marcados pela dor e pela perda.
Em Manaus, durante a viagem de volta para Fortaleza, o filho de Sebastião, com apenas 10 anos, tomou uma decisão inesperada. Olhando para o pai com determinação, disse: “Pai, eu vou voltar para o Acre. Não vou seguir viagem com o senhor. Não posso deixar minha mãe sepultada naquele lugar sozinha.” A firmeza nas palavras do menino revelava uma profunda ligação com a mãe e um sentimento de responsabilidade que transcendia a sua idade.
O menino retornou ao local onde sua mãe foi sepultada e lá permaneceu, crescendo em meio à solidão e ao trabalho árduo nos seringais. Ele passou pela adolescência, juventude e chegou à idade adulta, sem nunca mais reencontrar o pai e as irmãs.
Décadas se passaram, e a dor da perda da mãe, guardada por tanto tempo, finalmente encontrou uma forma de expressão. Aos 70 anos, após mais de 50 anos de silêncio, aquela dor represada transbordou em uma madrugada, revelando o impacto profundo que a perda teve em sua vida.
50 anos depois…
Aquele menino, agora um homem idoso, casou-se, teve filhos, deixou o seringal atrás de uma vida melhor. Primeiro, mudou-se para uma colônia perto da cidade, e quinze anos depois, decidiu se estabelecer na própria cidade. Lá, montou uma mercearia que também funcionava como um bar, onde as pessoas se reuniam para conversar e compartilhar histórias – como a maioria de ex-seringueiros fizeram indo morar nas cidades.
Numa sexta-feira, já na madrugada, quando todos haviam ido embora, apenas dois permaneciam: o filho de Sebastião, dono do bar, e um jovem amigo, que se sentava horas a fio ouvindo histórias, fascinado pela riqueza de experiências e pela profundidade das palavras e experiências de vida.
O filho de Sebastião, que raramente bebia, pegou uma cerveja e a abriu sobre o balcão, seu olhar carregado de emoção.
“Rapaz, vou lhe contar a minha história”, disse, com a voz trêmula.
E então, entre lágrimas e soluços, começou a narrar sua jornada, desde a perda da mãe no seringal até a solidão e a luta para sobreviver. O jovem ouviu, absorto, as palavras do velho ecoando em sua mente como cenas de um filme, mas também sentindo a dor e a solidão como se estivesse lá, compartilhando daquela profunda solidão.
A história parecia ganhar vida, tocando o coração do jovem com uma intensidade marcando profundamente a sua existência. Nascia uma amizade sincera entre os dois marcada pelo compartilhamento de uma tragédia. O jovem não bebeu cerveja naquela madrugada, sorveu a dor e a solidão daquele menino entre goles da bebida. Uma madrugada inesquecível que ficou no passado.
Hoje, às vezes, ao olhar o céu estrelado à noite, o jovem (hoje não mais tão jovem) é tomado por uma reflexão profunda. Ele pensa na sepultura da mãe daquele menino, às margens do rio, onde, simbolicamente, o coração daquela criança de apenas dez anos também foi sepultado. O pai, as irmãs que se foram para sempre.
A imagem daquela sepultura solitária, sob o vasto céu noturno, evoca uma sensação de tristeza e respeito, lembrando-o da história que ouviu e do impacto duradouro que ela teve em sua própria vida.
P.S. O nome “Sebastião Avelino” é fictício, mas a história em si é verdadeira. Após 50 anos, os parentes de Sebastião, residentes em Fortaleza, CE, fizeram uma jornada até o Acre para conhecer o menino que, agora, é um homem de mais de oitenta anos.
Essa reunião tardia trouxe à tona memórias e emoções guardadas por décadas, reacendendo laços familiares e permitindo que pedaços de um passado distante fossem redescobertos e compartilhados.