Gilliard Nobre Rocha
Advogado tributarista. Mestre em Direito
Em meio ao já complexo cenário tributário nacional, uma nova camada de insegurança e onerosidade foi adicionada à rotina de empresas e consumidores brasileiros: o recente aumento das alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), restabelecido pelo Supremo Tribunal Federal no último dia 16 de julho. A medida, que incide sobre operações de crédito, câmbio, seguros e títulos, reacendeu debates sobre a função arrecadatória de tributos e seus impactos econômicos imediatos.
Muito além de um ajuste técnico, trata-se de uma alteração com efeitos sistêmicos profundos, especialmente sobre o custo do crédito, os investimentos produtivos e a previsibilidade jurídica — elementos que deveriam ser protegidos, e não pressionados, em um país que ainda luta para retomar crescimento sustentável.
Com a decisão do STF, as novas alíquotas previstas no Decreto 11.602/2024 foram validadas com efeitos retroativos à data de sua publicação (11 de junho de 2024), salvo para as operações de antecipação de recebíveis, via “risco sacado”.
Após insurgência de organizações do setor produtivo, o ministro Alexandre de Moraes (STF) proferiu nova decisão, esclarecendo que não haverá cobrança retroativa do IOF sobre operações entre 27 de junho e 16 de julho — período em que o decreto que aumentava as alíquotas esteve suspenso por deliberação do Congresso e posteriormente pelo próprio ministro. Isso representa um alívio para contribuintes e instituições financeiras, evitando litígios sobre valores supostamente não recolhidos nesse intervalo. No entanto, a majoração segue vigente desde 11 de junho, mantendo seus efeitos para empresas e consumidores.
As principais mudanças incluem: (a) aumento da alíquota diária do IOF-Crédito para pessoas jurídicas de 0,0041% para 0,0082%, além da alíquota fixa de 0,38%; (b) elevação da alíquota sobre operações de câmbio de 1,1% para 3,5% em remessas ao exterior e compras de moeda; (c) reajuste da tributação sobre cartões de crédito internacionais, de 3,38% para 3,5%; e (d) criação de uma cobrança temporária de 5% sobre aportes em previdência privada (VGBL) acima de R$ 300 mil em 2025 e R$ 600 mil em 2026.
Essas mudanças, ainda que pontuais do ponto de vista da arrecadação, carregam consigo uma carga regressiva e altamente prejudicial à dinâmica econômica, sobretudo em tempos de alta de juros, endividamento familiar e retração no consumo. Apesar dos esforços do governo para propagar a ideia de que apenas os “ricos” serão afetados, a matriz tributária brasileira impõe que toda elevação de custos fiscais acebe por repercutir em toda a cadeia produtiva, afetando, finalmente, o bolso dos consumidores.
Para as empresas, o IOF-Crédito mais elevado encarece diretamente a obtenção de recursos para capital de giro, expansão ou antecipação de recebíveis. O impacto é especialmente severo sobre pequenos e médios empreendedores, cujas margens já são reduzidas e cuja dependência de crédito bancário é estrutural.
Com menos recursos e custo financeiro mais alto, há um desestímulo claro à tomada de risco e ao investimento produtivo. O efeito cascata atinge toda a cadeia: da redução na compra de insumos, ao corte de empregos e à desaceleração do consumo.
No caso dos consumidores, o impacto é percebido nas viagens internacionais, nas compras com cartão de crédito e nas remessas para manutenção de familiares no exterior, áreas onde o IOF atua como verdadeiro freio tributário à livre circulação de capital lícito.
O aumento de alíquota sobre o VGBL, este sim, atinge diretamente a classe média alta, incentivando a migração para investimentos menos eficientes ou mais arriscados.
Em qualquer hipótese, o ponto mais preocupante diz respeito à insegurança jurídica criada pela decisão, que evidencia ainda mais a já sentida tensão entre os poderes constituídos. As idas e vindas normativas — com três alterações sucessivas entre 11 de junho e 16 de julho — compromete seriamente o planejamento tributário de empresas e pessoas físicas.
Além disso, a ausência de uma diretriz uniforme da Receita Federal, abre margem para litígios administrativos e judiciais. Essa instabilidade, por si só, já basta para afastar investimentos estrangeiros e comprometer a imagem do Brasil como destino confiável para aportes de médio e longo prazo.
Embora o IOF tenha sido concebido como um tributo regulatório, com objetivo de conter excessos ou proteger a economia nacional em cenários específicos, sua utilização recorrente com clara finalidade meramente arrecadatória distorce seu propósito e prejudica a confiança na política fiscal do país.
Na prática, o aumento do IOF funciona como um imposto sobre o futuro — ele penaliza quem toma crédito para crescer, quem investe em previdência para o longo prazo e quem busca internacionalizar suas relações comerciais e familiares.
Diante desse cenário, algumas estratégias jurídicas e econômicas podem (e devem) ser adotadas por empresas e pessoas físicas para minimizar os impactos do aumento do IOF, tais como planejamento financeiro e cambial, revisão de contratos financeiros e operacionais, reorganização societária a tributária, análise dos impactos sobre planos previdenciários, além de, em casos específicos, judicialização da questão.
A elevação das alíquotas do IOF representa mais do que um ajuste fiscal. Ela impõe um ônus desproporcional à economia real, freando investimentos, encarecendo o crédito e comprometendo a previsibilidade jurídica, em um momento em que o Brasil deveria estar criando pontes com o mercado — e não barreiras.
A atuação preventiva e estratégica de empresas e indivíduos, com apoio de assessoria tributária especializada, é essencial para navegar este novo cenário. A Constituição Federal assegura a legalidade e a anterioridade tributária como pilares do Estado de Direito, e são esses mesmos fundamentos que devem ser invocados agora para mitigar os efeitos nocivos dessa política fiscal de curto prazo.
Gilliard Nobre Rocha
Advogado tributarista. Mestre em Direito