Não se fala em outra coisa. Não se lê outra coisa. Não se assiste a outra coisa que não seja algo relacionado à “Tornozeleira do Bolsonaro”. A medida cautelar formalizada pelo ministro Alexandre de Moraes tem fundamento jurídico e está embasada em fatos. Muitos acreanos se sentiram incomodados e levantaram logo a bandeira de que o Brasil está “virando uma Venezuela” porque ainda se tem dificuldade de entender que ninguém está acima da lei. Um representante da elite política do país com o mesmo acessório eletrônico de um criminoso comum fere o orgulho vira-lata de muitos. E o Acre, como reagiu?
Entre a classe política, a reação foi a mais medíocre possível. Não apenas em relação à quantidade, mas à qualidade de quem se aventurou a defender o monitorado pela Justiça mais famoso do país. A linha de raciocínio correu atrás do próprio rabo seguindo a lógica de que (de novo) “o Brasil virou uma Venezuela”; de que a ditadura da toga é o que está dando o tom das coisas por aqui; de que o comunismo isso… o comunismo aquilo…; não podia faltar Cuba, claro. E finaliza-se com uma pitada de “liberdade” para dar à fala algum tom de erudição.
E olhe que o MPF nem pediu prisão preventiva. A presunção de inocência ainda está protegida. O uso da tornozeleira foi apenas uma medida de cautela tomada pelo julgador para que a lei seja aplicada. Foi medida necessária, diante das possibilidades de danações que poderiam ser feitas. A fala “(…) sair do Brasil é a coisa mais fácil” é, antes, uma revelação da intenção.
Depois dos R$ 2 milhões enviados ao filho nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro ainda tinha outros minguados US$ 14 mil em dinheiro dentro de uma gaveta em casa. Ao menos um pão com leite condensado já estaria garantido por algum tempo.
Esse é outro detalhe que até a imprensa nacional finge desimportância. “Sempre guardei dólar em casa”, argumentou Bolsonaro. O cidadão brasileiro, maltratado que é, acostumou-se com a ideia de que os mais altos cargos eletivos são senha para desfrutar do luxo. Acostumou-se a isso. Como assim “Sempre guardei dólar em casa”?
O sujeito é (ou foi) presidente, senador, deputado então é natural morar em mansão, ter fazendas, milhares de cabeças de gado, frequentar ambientes caros e glamourosos. No caso de Bolsonaro, é bom lembrar, por exemplo, das compras de 51 imóveis com dinheiro em espécie feitas pela família Bolsonaro. Ou já esquecemos disso? O brasileiro apreendeu a concepção de que essas tramas envolvendo a rotina de homens públicos são naturais. Não deveriam ser.
O silêncio da maior parte da classe política do Acre poderia ser entendido pelo próprio eleitor como algo revelador. É como se a maior parte dos deputados e deputadas estivessem, com o silêncio, gritando ao eleitor: “Chega! Você ainda não conseguiu ver?”.
E não custa explicar: a medida cautelar tomada guarda relação com as danações que o filhão Eduardo Bolsonaro está fazendo nos Estados Unidos: com destaque para as articulações contra a economia brasileira e a interferência direta nas decisões do STF, que conduz o julgamento da trama golpista.
Diante da possibilidade real de o paizão fugir, a medida cautelar foi executada. A decisão em relação a trama golpista é outra coisa. A martelada ainda virá. Isso não é “caça às bruxas”. É instituição pública funcionando: é a presunção da inocência ativa; é o direito ao contraditório garantido; é MPF acusando; é juiz martelando o que tem que ser martelado. A ideia de que a “lei é para todos” precisa ser compreendida. Ou se entende isso, ou é a barbárie.